quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

"Um problema de liberdade"

"Problema?! Sim, talvez haja um problema, mas de outra índole: o de termos um primeiro-ministro que lida mal com a liberdade de imprensa "

"O episódio José Sócrates/Mário Crespo em que o primeiro-ministro aproveitou um contacto fortuito com o director de programas da SIC para atacar violentamente o jornalista revela duas coisas: primeira, um certo baixar de nível, no comportamento que deve ser exigido aos homens de Estado; segunda, e esta é mais grave na medida em que joga com a liberdade, a existência de um padrão, na forma como o chefe do Governo se relaciona com a comunicação social. Sócrates encara os media e/ou os jornalistas mais críticos como adversários políticos, logo, como alvos a abater. E não distingue os planos de actuação das partes, além de ignorar, olimpicamente, o papel dos media na dialéctica democrática.

"Não sei se Sócrates andou, na sombra, a mexer os cordelinhos para tirar Manuela Moura Guedes dos ecrãs da TVI e José Manuel Fernandes da direcção do Público. Mas a verdade é que estes dois jornalistas já não ocupam os cargos influentes que ocupavam. Ambos eram bastante cáusticos relativamente à acção do primeiro-ministro e ambos foram por este publicamente atacados. Agora, com o jornalista da SIC, há uma identidade de padrão: Crespo escreve textos com críticas a Sócrates, que o refere a um seu superior hierárquico de forma insultuosa, sugerindo que a sua permanência no canal é um "problema". Problema?! Sim, talvez haja um problema, mas de outra índole: o de termos um primeiro-ministro que lida mal com a liberdade de imprensa. Já são demasiados casos para se tratar de um acaso ou de um mal-entendido. E a quem, por absoluta cegueira partidária, seja incapaz de encarar o assunto com frieza, sugiro o seguinte exercício: mude o protagonista destes episódios. Em vez de Sócrates, ponha Ferreira Leite a atacar, num comício, este ou aquele jornalista. Ou imagine Cavaco a dizer a um alto quadro da empresa de comunicação social onde trabalha o Mário Crespo que este é um "louco" a precisar de "ir para o manicómio" e um profissional "impreparado". Assim, de uma outra perspectiva, não dá para concluir que tais atitudes implicam um défice de compreensão sobre o que significa liberdade de imprensa?(...)"

Áurea Sampaio ,
in "Visão", 4.2.2010

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