terça-feira, 23 de agosto de 2011

"Portas e o escorpião"

Há muitos anos – talvez dez –, comparei Paulo Portas ao escorpião da fábula: considerei-o capaz de matar um companheiro de caminhada mesmo que isso arrastasse, também, a sua própria morte.

O killer instinct era qualquer coisa que ele não controlava, pois estava impregnado na sua natureza.

Há semanas, um jornalista recordou-me esse escrito. E eu disse-lhe mais ou menos o que vou escrever hoje.

Portas é um homem de indiscutível talento, cujas qualidades eram prejudicadas por uma natureza perversa e uma ânsia de afirmação que conduziam a actos condenáveis.

Dificilmente se podia confiar nele.

Manuel Monteiro caiu nessa armadilha – e ele espetou-lhe o punhal quando chegou o momento.

Nestes quinze anos que leva de actividade política, porém, Portas aprendeu muita coisa.

Aprendeu a aproveitar melhor as suas qualidades e a reprimir os seus piores defeitos.

Aprendeu a perceber que é perigoso matar um aliado.

Ganhou maturidade.

Nos dias de hoje, Paulo Portas já não é o traquinas director d’O Independente, que faz manchetes assassinas e às vezes irresponsáveis, mas um político frio que calcula os seus actos em função dos seus interesses.

A sua frieza a liquidar os que se lhe atravessavam no caminho é hoje aproveitada na preservação do que planeia para si e para o seu futuro.

Uma das perguntas que têm sido recorrentemente feitas a propósito desta coligação diz respeito à sua solidez.

O entendimento entre o PSD e o CDS tem condições para se aguentar até ao fim do mandato?


E, a propósito, invocam-se os ataques de Alberto João Jardim a Portas e ao CDS, entre outras dificuldades de percurso.

Ora a sobrevivência da coligação vai depender em boa medida de Paulo Portas – e este sabe que está a viver a sua grande oportunidade política.

Eu diria mais: a sua última grande oportunidade política em Portugal.

Se este Governo triunfar, Portas será definitivamente olhado como um ‘homem de Estado’ e terá o futuro político assegurado.

Poderá mesmo, um dia, chegar a primeiro-ministro – porque o seu partido, o CDS, também ganhará muito se as coisas correrem bem.

Inversamente, se as coisas correrem mal, Portas sairá do poder pela porta pequena e tão cedo os portugueses não quererão ouvir falar mais dele.

Paulo Portas vai fazer, portanto, os possíveis e os impossíveis para que este Governo se aguente.

Vai certamente engolir muitos sapos – porque o PSD é um partido complicado e há lá dentro muita gente que o detesta (não esquecendo os tais ataques semanais que fazia a Cavaco e aos seus ministros n’O Independente).

Mas Portas resistirá a tudo, porque sabe que o que está em jogo vale muito mais do que o passado: o que está em jogo é o futuro.

O futuro do país – e o seu futuro como líder político e governante.

Se a coligação PSD/CDS se rompesse, ou se os resultados da governação se saldassem por um fracasso, Portas teria mais uma vez de sair de cena – e quando se sai nunca se sabe quando se volta.

E se se volta.

PAULO Portas vai, pois, agarrar-se com unhas e dentes a esta oportunidade.

Vai dar tudo por tudo.

Sabe que é agora ou nunca.

Boa parte da sua carreira, da sua vida, do seu êxito, joga-se no sucesso ou insucesso desta coligação.

Pode esticar muitas vezes a corda.

Mas ninguém espere que pelo lado dele a corda se parta.



por José António Saraiva,
http://sol.sapo.pt/inicio/Opiniao/

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