terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Dos Homens e dos Deuses

( Este filme ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cinema de Cannes 2010 )

De: Xavier Beauvois
Com: Lambert Wilson, Michael Lonsdale e Olivier Rabourdin
Drama, M/12, França, 2010, 120 min
Site Oficial, Trailer.

No presente mundo ocidental, somos devidamente educados nos valores da tolerância e do respeito pelo outro, distinto de nós. Valores incutidos pelo sistema democrático, do qual todos nós hoje nos orgulhamos. Torna-se, assim, natural sentirmos uma certa e legítima repulsa por toda e qualquer forma de fundamentalismo ou extremismo, seja ela política, religiosa ou meramente ideológica.

São estes mesmos valores, contudo, que nos podem levar, talvez, a olhar para a fé num determinado credo religioso como algo de perigoso: algo que poderá fomentar a intolerância. Aqueles que acreditam que o seu Credo é o verdadeiro, tenderão, naturalmente, a procurar impô-lo aos outros, desinteressando-se pelos seus sentimentos, crenças ou opiniões. Eis o perigo de se professar e assumir declaradamente uma fé religiosa num ambiente marcadamente democrático.

Este ambiente cultural, no qual nos situamos, que sente alguma aversão pela fé demasiadamente assumida - ou ‘radical’, se quiserem - confere, no meu entender, pertinência à película Dos Homens e Dos Deuses. O filme, com efeito, revela-nos a vivência pacífica de uma comunidade monástica de tradição católica com uma aldeia argelina do Magrebe muçulmano. Os monges trapistas de estrita observância vão ao mercado local comercializar os seus produtos, cuidam da saúde dos habitantes do Magrebe bem como são por eles convidados a participar nos seus momentos mais festivos. E fazem tudo isto sempre na consciente presença de Deus: não sentem pudor em falar d'Ele explicitamente, e dedicam grande parte dos seus dias à oração. No entanto, a sua fé – tão simples, tão autêntica, tão assumida – não os impede de conviverem no respeito recíproco com a comunidade muçulmana que eles tanto amam.

É neste ambiente de uma paz que permite o aprofundamento da fé e da relação, que a Argélia se vê, repentinamente, perturbada pela acção de um grupo terrorista islâmico. Não é apenas uma história. São vidas reais e concretas, como as nossas. Num cenário de sucessivos assassinatos, os monges têm de tomar uma opção: partir para a segurança e o conforto que a população da aldeia nunca irá conhecer; ou permanecer na simplicidade daquela vida, comungando da tragédia que aquele povo vivia. A opção é tomada com Deus, na Sua presença e mediante o critério da Sua Palavra. Mas tudo isso sempre num ambiente de comovente simplicidade.

Dos Homens e Dos Deuses limita-se, talvez, a não nos deixar banalizar ou simplificar a complexa realidade do martírio. Não se trata apenas de dar a vida por um ideal, por uma causa ou por um credo religioso. Trata-se, essencialmente, das motivações que subjazem a essa entrega: se é o ódio que o procura; ou se é o amor que o permite viver e aceitar em paz.


Andreas Lind sj
http://www.essejota.net, 15.12.2010

1 comentário:

Nuno disse...

Vi o filme na semana a seguir ao Natal. É impressionante!
Muito pobre, muito belo.
Muito tocante...

Ficamos a pensar, sensibilizados pelos dramas destes humildes e coerentes frades. E pelo enorme testemunho que dão!

Muito bom.