quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Um programa de governo fraco

Governo: de lume brando a banho-maria
por Maria José Nogueira Pinto



"A Chanceler alemã, Ângela Merckel, anunciou que é prioridade do novo Governo uma redução fiscal de 24 mil milhões de euros a realizar faseadamente entre 2010 e 2013. Outro dos objectivos para este segundo mandato é o de rever o modelo de financiamento dos serviços públicos de Saúde. Tanto quanto nos é dado ouvir e ler, parece que as duas grandes prioridades de José Sócrates para o seu segundo mandato são o casamento gay e a avaliação dos professores. Se Tocqueville tinha razão, em democracia cada povo tem o Governo que merece e é isso mesmo o que nos está a acontecer: uma merecida punição sob a forma de uma pura perda de tempo.

"Do elenco governamental - não obstante a continuação de duas presenças reconfortantes, Luís Amado e Teixeira dos Santos e de uma novidade prometedora, Isabel Alçada - e do que se disse (e não se disse) na tomada de posse podemos supor que este é um Governo para sobreviver quatro anos, de fininho e sem turbulências: saíram os que incomodavam, ficou o núcleo-duro político, meteram-se na gaveta as medidas reformistas, tirou-se do bolso a capacidade negocial. A pressão do BE vai obrigar o Governo a tomar a dianteira na agenda fracturante que servirá como manobra de diversão, a União Europeia remete oportunamente para 2011 a disciplina orçamental, e a perda da maioria absoluta passa, não se sabe como, de uma derrota de Sócrates e do PS para um álibi permanente, a agitar sempre e quando este Governo minoritário se sentir contrariado.

"Entretanto, já todos se esqueceram como o anterior Governo de maioria absoluta escapou à risca a uma avaliação rigorosa, graças a uma crise de costas largas que ocultou um número significativo de medidas meias feitas ou meias por fazer. Basta lembrar o famoso Plano Anticrise tão bem vendido a um país assustado, que não só foi executado em apenas 42%, como mereceu um relatório da Comunidade Europeia que concluía pela pouca eficácia das medidas. Uma prioridade reconhecida por todos, mas mal conduzida pelo Governo, que apesar da urgência das circunstâncias não alcançou os objectivos nem conseguiu reduzir danos. Não foi um bom Governo e não vai ser um bom Governo só que, agora, vão convencer-nos que é por falta de estabilidade.

"As três prioridades que o primeiro-ministro enunciou no discurso de posse são três lugares comuns, vagos no conteúdo e infelizes na forma. Mas confirmam a viragem à esquerda de Sócrates, uma concessão pré-eleitoral ao seu partido e aos partidos à esquerda deste: em qualquer uma delas, o que se sublinha é o reforço do papel do Estado - no combate à crise e ao desemprego, na modernização da economia e da sociedade ou na justiça social. Três chavões despidos de qualquer sabedoria e imaginação, como se fosse possível alcançar qualquer um dos objectivos sem uma forte convocatória dos cidadãos, das famílias, das empresas, dos corpos intermédios, do terceiro sector, enfim, de tudo o que possa ainda estar vivo para além e apesar deste Estado tutelar. As consequências não serão de somenos se a receita da nossa salvação passar por mais Estado e já não por melhor Estado.

"A ideia mais absurda é a de caber agora ao Estado a função de modernizar a sociedade. Este nosso Estado arcaico, que apenas se agitou com uma meia reforma… Semântica de mau augúrio, em que uma fina camada de verniz, um pequeno polimento, consegue escamotear o valor do desenvolvimento humano num mar de tecnologias sem ideias. É a nossa sina, esta pesada circunstância de nos termos tão só modernizado quando nos devíamos ter desenvolvido. E silêncio de pior augúrio é o que se abate sobre a Justiça.

"Será que, de lume brando a banho-maria, Portugal se prepara para perder mais quatro anos? Provavelmente, o que merecemos."

in Diário de Notícias, 29.X.2009

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