quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Palavras para quê, é um minhoto, com certeza.


in Corta-fitas
João Afonso Machado

Ex.mo Senhor:
Dr. António José Seguro
Largo do Rato - Lisboa

Ex.mo Senhor: Era, de Aquiles, o ponto fraco o seu calcanhar. (Nós, minhotos, como se aperceberá, somos ainda muito ledores do Camões épico). E, de V. Ex.cia, inócuas, as sobrancelhas. Esse arquear indiciador de ciência e evidência, quase uma ogiva por onde pretende fluam argumentos irrebatíveis, um imenso saber académico, litradas de bom-senso. Como se o quotidiano político fosse uma mesa-redonda a abarrotar de retórica. E é, mas não é só. Assim o vão ensinando os seus próprios correligionários.
«Qual é a pressa?» - indagava V. Ex.cia, ontem ainda, sentindo-se ultrapassado por quantos dos seus foram à frente e cavalgam já a monção benéfica.
É, V. Ex.cia descurou o histórico episódio do Samorim de Calecute. E vê-se, repentinamente, entre a parede e o punhal da traição. Aturdido pela surpresa, repete a interrogação - «qual é a pressa?». Mesmo sentido picar-lhe no externo o aço frio e conspirativo, insiste ainda - «qual é a pressa?». Com alguma dose de heroísmo, reconheça-se. E não menos propensão para mártir às mãos dos de Mafoma.
Por tudo, será o lugar que a História lhe reservará: o das vítimas inocentes, crédulas, quiçá inuteis. Decididamente, não pérfidas. Mas, santo Deus, não arqueie mais as sobrancelhas: antes abra bem os olhos.
E veja quem o cerca...

De V. Ex.cia,
um evidentíssimo e leal opositor que já não sorri, mas lamenta,
sempre ao dispor de V. Ex.cia,
atento e respeitador,

JAM

1 comentário:

Rua do Souto disse...

Só o texto é em si uma homenagem à leitura.
Obrigado JAM.