quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O melhor contributo dos "ricos" para o bem comum não reside em aumentarem os seus impostos






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Depois de Warren Buffet, foi a vez de Liliane Bettencourt apelar a impostos mais elevados sobre os super-ricos, isto é, sobre si própria. A generosidade dos super-ricos surpreendeu num primeiro momento os partidários da luta de classes. Em seguida, lançaram-se numa nova campanha para aumentar os impostos.

Com o devido respeito pela decisão de cada um sobre o que fazer com o que lhe pertence, devo discordar do clima geral da discussão. Não são os impostos a fonte primordial de melhoria da condição de vida do maior número. A riqueza da Europa e do Ocidente - que ainda hoje merece admiração no resto do mundo - não foi produto da redistribuição da riqueza dos ricos para os pobres através dos impostos. Foi produto da criação de riqueza num ambiente de liberdade económica, em regra associada a impostos baixos, justiça célere, e, sobretudo, à ausência de barreiras à entrada de novos competidores.

Esta verdade elementar foi precocemente observada por Adam Smith, já em 1776. E foi mais facilmente corroborada depois disso. Até meados do século XVIII, todos os países eram basicamente pobres, comparativamente à exuberante descolagem económica europeia desde então. Essa descolagem económica, que elevou exponencialmente o nível de vida dos europeus ao longo do século XIX, não podia ter sido obtida pela redistribuição dos ricos para os pobres. Os ricos do início do século simplesmente não sonhavam que pudesse existir a riqueza com que o século terminou. Essa riqueza não existia previamente: ela simplesmente foi gerada, criada, inventada.

Joseph Schumpeter explicou em 1942 (Capitalismo, Socialismo e Democracia) o mecanismo que presidiu a essa extraordinária elevação do nível de vida das pessoas e do número de pessoas (no século XIX, a população europeia cresceu de 150 para 400 milhões). Chamou-lhe "destruição criadora", designando dessa forma o processo de permanente inovação que gera permanentemente novos produtos a custos mais baixos, incluindo velhos produtos também a custos mais baixos.

É isso que constituiu no Ocidente o grande "elevador social", através do qual gerações sucessivas de pessoas comuns têm acesso a bens e produtos que as gerações anteriores não sonhavam obter. Disse Schumpeter: "A rainha Isabel I tinha meias de seda. A proeza do capitalismo não consiste tipicamente em fornecer mais meias de seda às rainhas, mas em colocá-las ao alcance das raparigas das fábricas em troca de quantidades de esforço decrescentes".

Por outras palavras, quando a destruição criadora faz baixar os custos de bens e serviços, ela faz baixar o número de horas de trabalho necessárias para os adquirir. Esta é a chave da democratização do consumo - bem patente, neste final de Agosto, na massificação do turismo.

Por este motivo, o melhor contributo dos "ricos" para o bem comum não reside em aumentarem os seus impostos. Essa é uma contribuição apenas auxiliar, que deve visar a criação de uma rede de segurança pública, abaixo da qual ninguém deve recear cair. (Mas mesmo esse destino dos impostos será incerto, se eles não forem aplicados em regime de concorrência). O melhor contributo dos "ricos" consiste por isso em continuarem a produzir bens e serviços (que sejam voluntariamente escolhidos por consumidores), em concorrência aberta e leal com outros, actuais ou potenciais, produtores.

Por outras palavras, a melhor contribuição para o bem comum reside na liberdade de escolha. A melhor garantia de que um bem ou serviço está a ser produzido da forma mais acessível ao maior número de pessoas consiste na garantia de que esse bem ou serviço não está artificialmente protegido da concorrência e que é voluntariamente escolhido pelos que o consomem.

Esta foi a chave do incrível sucesso da Europa e do Ocidente nos últimos três séculos - uma evidência que nós esquecemos, mas que a China e a Índia compreendem muito bem. Porque a esquecemos, temos hoje dívidas públicas colossais, impostos colossais, despesas públicas colossais, crescimento económico ridículo e desemprego crescente. Entretanto, vamos alegremente discutindo como aumentar ainda mais os impostos - com vista a manter níveis de despesa pública insustentáveis.

João Carlos Espada
Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa.
Público 29/8/2011

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