segunda-feira, 13 de junho de 2011

«Onze notas sobre as eleições e o futuro»

«O primeiro aspecto que me chocou nestas eleições foi ver comentadores que ao longo de semanas tinham andado a ‘explicar’ as razões por que o PS e o PSD estavam tecnicamente empatados nas sondagens ‘explicarem’, com o mesmo à-vontade, as razões pelas quais o PSD tinha vencido com 11 pontos de diferença. As mesmas pessoas que há uns dias enfatizavam os ‘tiros no pé’ de Passos Coelho descreviam agora as razões que estavam na base do seu brilharete.
Que desfaçatez!

«Os comentadores ainda não perceberam que não devem comentar sondagens, para não terem de dizer amanhã o contrário do que disseram ontem?

«O segundo aspecto tem que ver com o resultado do PSD. Esse valor foi empolado pela bipolarização que Passos Coelho forçou com Sócrates e pelo voto útil que ‘migrou’ nos últimos dias do CDS para o PSD.

«Passos Coelho, ao contrário do que muita gente disse, fez muito bem em afirmar categoricamente que nunca faria Governo com o PS. Essa afirmação contribuiu para separar bem as águas, diferenciando o PSD do PS e forçando os eleitores a definirem-se. Foi esta a primeira razão para o bom resultado que alcançou. A segunda foi a vitória clara sobre Sócrates no frente-a-frente televisivo. A terceira foi o medo de muitos eleitores tentados a votar no CDS mas que, no último momento, fizeram agulha para o PSD, receando que o voto em Portas acabasse por desembocar numa vitória eleitoral do PS.

«O CDS foi, pois, muito penalizado pelo voto útil no PSD. Conheço várias pessoas que estavam inclinadas a votar CDS mas que acabaram por votar PSD para derrotar Sócrates.

«A boa performance de Portas e vários erros do PSD na pré-campanha chegaram a colocar o CDS no patamar dos 15%, mas este valor esfumou-se na recta final pelas razões apontadas.

«A derrota do PS era porventura inevitável, mas foi agravada pela má prestação de Sócrates nos momentos decisivos: derrota no frente-a-frente com Passos Coelho e desorientação total na última semana de campanha, quando percebeu que não podia ganhar. Aí perdeu a compostura, deixou de falar como primeiro-ministro, concentrou-se demais em Passos Coelho e chegou ao ponto de disparar sobre a troika! Foi patético ver o chefe do Governo que tinha acabado de negociar o acordo com o FMI e a UE dizer aos gritos: «Não é a troika que governa Portugal, são os portugueses!». Parecia o líder de um partido radical, transmitindo a ideia de já ter dado as eleições como perdidas.

«O outro partido derrotado foi o BE, com naturalidade. A crise económica beneficiaria sempre o PCP, dada a sua implantação operária. Perante o fantasma de medidas duras, os trabalhadores sabem que quem os pode proteger é o PCP e não o BE. Por outro lado, as ‘causas’ que celebrizaram o BE (aborto, casamentos gay, etc.) foram assumidas pelo PS e estão adquiridas. O papel do BE esgotou-se. A única forma de ter algum futuro seria tornar-se um partido de Governo, proporcionando coligações de esquerda com o PS. Mas o BE seguiu outro caminho, recusando encontrar-se com a troika e assumindo-se como um mero partido de protesto, condenando-se a uma votação residual.

«Ao contrário do que alguns ainda defendem, o único Governo possível era (é) uma coligação PSD-CDS. O PS não poderia integrar o futuro Governo. Estas eleições eram uma escolha entre a continuidade e a mudança – e ganhou a mudança. As eleições separaram bem as águas, e seria traiçoeiro voltar a juntá-las depois das eleições.

«O próximo Governo precisa de três coisas: ser determinado, corajoso e célere a decidir. Ora, se o PS integrasse o Executivo, este não poderia ser nada disso. Seria uma força de bloqueio. Acresce que, se o PS fosse para o Governo, estaria sempre com um pé dentro e outro fora – porque quereria capitalizar o descontentamento. Seria, portanto, um factor de enfraquecimento do Executivo, um cavalo de Tróia. E impediria a limpeza que é necessário fazer no aparelho de Estado: sempre que um boy fosse afastado, o PS começaria a falar de ‘saneamentos políticos’.

«Àqueles que defenderam ou ainda defendem esta ideia eu pergunto: alguém no seu perfeito juízo diria que, nos EUA, republicanos e democratas deveriam juntar-se para formar um Executivo forte?

«PSD e PS são feitos para liderar alternativas e não para se juntarem.

«É preciso afastar o fantasma de que a agitação social pode bloquear as reformas. Estamos em democracia. O que vale é o voto. Se um Governo com maioria superior a 50% não conseguir governar, então estamos numa situação pré-insurreccional. É evidente que certas reformas terão sempre a oposição dos sindicatos. Mas sem isso não haverá reformas. O estranho é que não haja protestos nas ruas – isso significaria não se estar a fazer nada.

«De qualquer modo, o próximo Governo deve avançar depressa, aproveitando um certo atordoamento da esquerda decorrente da derrota eleitoral. Há toda a vantagem em acelerar as reformas mais polémicas, não esperando mesmo nalguns casos pelos prazos da troika.

«Ao contrário do que muitos defendem, as medidas de austeridade têm de ser suportadas sobretudo pela classe média, que tem condições para apertar o cinto. As empresas não devem ser afectadas, porque são elas que geram riqueza e criam emprego. E as pessoas que estão em dificuldades também não têm mais margem para sacrifícios.

«Aliás, uma das grandes vantagens da presença do CDS no Governo são as suas preocupações sociais – com os desempregados, com os pensionistas, com os desvalidos –, inspiradas na Doutrina Social da Igreja. O bom resultado obtido pelo CDS em Setúbal mostra que esta ideia foi percepcionada.

«Para o próximo Governo poder ter sucesso, Passos Coelho e Portas terão de interiorizar o seguinte: se se enredarem em jogos partidários, em equilibrismos, em compromissos, em tentativas de agradar aos militantes, preocupando-se em distribuir cargos e colocar os boys, estarão aniquilados.

«Só os verdadeiros reformistas, os que têm coragem de enfrentar os interesses, de cortar a direito, de romper barreiras, podem ter sucesso.

«É essa a grande responsabilidade que pesa hoje sobre Passos Coelho e Paulo Portas.

«Como nota final, diga-se que este resultado não podia ‘servir’ melhor Cavaco Silva. Pediu uma maioria sólida para o Governo, e tem uma maioria sólida (57% dos deputados). Pediu uma clarificação política, e teve uma clarificação política. Tudo o que disse e fez, incluindo a decisão de dissolver a Assembleia, teve uma resposta positiva nas urnas – já que as eleições mostraram que o país ansiava por uma mudança.»

por José António Saraiva,
jas@sol.pt; 13.6.2011

2 comentários:

Anónimo disse...

Vocês são da Rua do Souto e não comentam o que se está a passar na Alameda ?

Paulo Novais disse...

@anónimo
Refere-se à Alameda Cardeal António Ribeiro? Certo?
E ao protocolo elaborado com a CMB (aprovado por unanimidade, salvo erro, com abstenção do pai do dono da empresa em questão) para a exploração do local durante 90 dias, com autorização de encerramento da mesma artéria 1 dia por semana com cobrança de entrada (5€) para espectáculos. Certo?
Dentro de pouco tempo emitirei uma opinião aqui na Rua do Souto.