domingo, 22 de maio de 2011

Os figurantes paquistaneses do PS e um certo jornalismo português

Os jornais e as televisões de hoje brincam com o facto de o PS andar a recolher indianos, paquistaneses, moçambicanos e chineses, todos alegadamente semi-indigentes, para figurantes nos depauperados (de gente, porque cenário não falta) comícios de Sócrates. Mas, salvo raras excepções, brincam mal.

Percebo o lado cómico da coisa, mas não me agrada o tom jocoso da generalidade das reportagens sobre o assunto - as quais, parecendo querer denunciar, ainda que nas entrelinhas, que estaremos perante uma prática totalmente inusitada e ridícula, destilam o sarcasmo sobre os convidados, passando-lhes um triste atestado de menoridade cívica, polícia e mental, que me merece algumas observações.

Em primeiro lugar, lamento informar quem tem o dever de informar, mas esta prática, sendo miserável, não é assim tão inusitada. Sempre que há eleições há autocarros com reformados arregimentados nas juntas de freguesia que têm a cor do querido líder da ocasião, há festas na malafaia, há pão e circo de borla para pessoas menos instruídas e mais necessitadas, a troco de um papel de figurante num comício. A única diferença é que isto costuma acontecer com portugueses e isso é uma não-diferença.

Em segundo lugar, a realidade das campanhas demonstra que infelizmente esta prática não é assim tão ridícula. Costuma até render votos, porque os mesmos jornalistas, que agora ridicularizam descarada e desumanamente o senhor de turbante e o casal de chineses, normalmente fazem de conta que não reparam e que não é um escândalo - nomeadamente quando a coisa envolve, directa ou indirectamente, meios e contactos arrebanhados pelos partidos através das autarquias locais.

Por isso choca-me ainda mais que agora se trate com tanto desprezo e com tanta superioridade moral, não os artistas que recorrrem a estes métodos, mas os mais pobres de entre os mais pobres e os mais sós de entre os mais sós que, muito compreensivelmente, aceitaram de bom grado um passeio de fim de semana e uma refeição de borla, nem que para isso tenham tido necessidade de aturar o "inginheiro pinóquio" (foi esse, podia ter sido outro). E faz-se isso à descarada porque são estrangeiros, não votam, usam turbante e têm a pele de outra cor. São o sonho de qualquer jornalista de fait divers, a anos-luz - em termos de "reality show" - do tradicional velhote analfabeto da aldeia, dos ciganos da feira ou das peixeiras de Matosinhos.

Mas aquelas pessoas que estavam no comício do PS em Évora - e que foram ridicularizadas por jornalistas de terceira categoria que não têm, nem nunca tiveram (nem terão) coragem para confrontar verdadeiramente quem as utilizou - mereciam um bocado mais de respeito pela sua dignidade.

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