quarta-feira, 20 de abril de 2011

O poder subversivo do humor político

A história mais suculenta relacionada com os levantamentos no Médio Oriente não tem a ver com a enfermeira voluptuosa de Kadhafi nem com os sacos de dinheiro da CIA. Não. Trata-se da história de uma estratégia para uma revolução não violenta orquestrada por estudantes sérvios e por um académico americano octogenário que acabou por desafiar ditadores no Egipto, na Tunísia, no Bahrein e em muitos outros países.
Este modelo de levantamento foi desenvolvido pelo movimento juvenil sérvio Otpor, para derrubar Slobodan Milosevic, em 2000. Uma das intuições do Otpor foi que a arma mais eficaz contra os ditadores não são as bombas nem os discursos inflamados. É a troça. Uma vez os activistas do Otpor colaram a imagem de Milosevic num barril que fizeram rebolar por uma rua a baixo e convidaram toda a gente para lhe dar umas marretadas pelo caminho.
A estratégia do Otpor espelha outra promovida por um académico de Boston chamado Gene Sharp, pouco conhecido nos Estados Unidos mas que provoca calafrios a muitos ditadores noutros países. O guia de Sharp para derrubar déspotas foi traduzido em 34 línguas e o ano passado a tradução árabe circulou no Egipto em grande número de exemplares.
Depois de ter derrubado Milosevic, o Otpor começou a organizar seminários para activistas pró-democracia de outras regiões do globo, incluindo muitos do Médio Oriente.
"Fomos uns 15 da Sérvia para o Egipto", disse-me há alguns dias Mohammed Adel, um dos líderes do Movimento 6 de Abril no Egipto, que ajudou a abrir caminho à queda do presidente Hosni Mubarak. "O que estamos a usar no Cairo são métodos que aprendemos na Sérvia."

Uma das lições cruciais foi a do poder da não-violência: "Se alguém te bater, não o ataques. Não recorras à violência contra ele. Basta tirar fotografias e pô-las na internet."

Derrubar ditadores é apenas uma das aplicações deste tipo de movimento com raízes locais. Uma das tendências mais excitantes da luta contra a pobreza e patologias sociais como o crime é o uso de movimentos deste tipo, com raízes entre os jovens, para mudar as normas culturais a partir de correntes preexistentes.
Tina Rosenberg, escritora e jornalista, colaboradora da secção de opinião do nytimes.com, oferece uma perspectiva brilhante de iniciativas deste tipo com o objectivo de promover mudanças sociais no seu livro "Join the Club". O meu exemplo preferido tem a ver com o hábito de fumar entre os adolescentes.
Entre os anos 70 e os anos 80 parecia não haver nada capaz de dissuadir os adolescentes de fumar. Os anúncios de televisão avisavam que o tabaco mata ou faz os dentes amarelos, mas os mais jovens sentem-se invulneráveis. Além disso, os adultos pareciam unidos na condenação do hábito de fumar, o que o tornava um magnífico gesto de rebeldia.
Depois, no final dos anos 90, alguns activistas empenhados nas campanhas antitabaco mostraram aos adolescentes como estavam a ser manipulados pelas tabaqueiras para se tornarem dependentes. Na sequência desta nova abordagem, os próprios adolescentes conceberam uma série de anúncios televisivos divertidos e sombrios, muitos deles baseados em partidas pregadas por telefone.
Um mostrava alguns adolescentes a telefonar a uma agência de publicidade que promovia marcas de tabaco. Tentavam convencer os publicitários de que lhes fora atribuído um prémio por matar
adolescentes em grande escala.(...)


"É provável que tenha sido a primeira vez na história da saúde pública que alguém fez uma campanha com base nesta ideia, de telefonemas trocistas", observa Rosenberg. Resultou.
A campanha acabou por ser usada em vários estados. A base de tudo era evitar a mensagem moralista do "não fume". Levou os miúdos a revoltarem-se contra o tabaco, em vez de contra o hábito de fumar. Na Florida ocorreu a maior descida anual de consumo de cigarros entre estudantes do secundário em duas décadas. Em menos de dez anos, a percentagem de fumadores entre os adolescentes desceu para metade.
O esforço de equipa para modificar hábitos culturais não é de hoje. Está presente no modelo dos Alcoólicos Anónimos, dos Weight Watchers, dos sistemas de microcrédito e de muitas outras iniciativas para combater a pobreza, o crime e os gangues urbanos. Rosenberg refere um bairro de habitação social no distrito de Columbia, Benning Terrace, onde em dois anos tinham sido mortas 53 pessoas em disputas entre gangues. A certa altura um grupo de ex-presidiários e ex-dependentes de drogas decidiu intervir e começar a trabalhar com os gangues.
Os antigos presos tinham um tipo de credibilidade que faltava a polícias e assistentes sociais e começaram a trabalhar com os miúdos para fazer a violência parecer de mau gosto. Não houve qualquer crime relacionado com os gangues durante 13 anos.

Um esforço para melhorar o desempenho dos estudantes negros em Matemática na universidade oferece outro exemplo de um êxito extraordinário. Começou na Universidade de Berkeley, na Califórnia. Quando se verificou que a nota média dos estudantes negros em Matemática era de apenas D+, foram organizados pequenos grupos de negros e hispânicos com o objectivo de ajudar os colegas. Pouco a pouco, os participantes melhoraram os seus resultados e acabaram por superar a média dos estudantes brancos e asiáticos.

Por vezes a força social mais poderosa são meia dúzia de estudantes irreverentes e bem-dispostos a trabalhar em conjunto.

por Nicholas Kristof, Jornalista

Publicado em 20 de Abril de 2011
Jornal i/The New York Times

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