in Aventar
O Diário do Professor Arnaldo – A fome nas escolas
Ontem, uma mãe lavada em lágrimas veio ter comigo à porta da escola. Que não tinha um tostão em casa, ela e o marido estão desempregados e, até ao fim do mês, tem 2 litros de leite e meia dúzia de batatas para dar aos dois filhos.
Acontece que o mais velho é meu aluno. Anda no 7.º ano, tem 12 anos mas, pela estrutura física, dir-se-ia que não tem mais de 10. Como é óbvio, fiquei chocado. Ainda lhe disse que não sou o Director de Turma do miúdo e que não podia fazer nada, a não ser alertar quem de direito, mas ela também não queria nada a não ser desabafar.
De vez em quando, dão-lhe dois ou três pães na padaria lá da beira, que ela distribui conforme pode para que os miúdos não vão de estômago vazio para a escola. Quando está completamente desesperada, como nos últimos dias, ganha coragem e recorre à instituição daqui da vila – oferecem refeições quentes aos mais necessitados. De resto, não conta a ninguém a situação em que vive, nem mesmo aos vizinhos, porque tem vergonha. Se existe pobreza envergonhada, aqui está ela em toda a sua plenitude.
Sabe que pode contar com a escola. Os miúdos têm ambos Escalão A, porque o desemprego já se prolonga há mais de um ano (quem quer duas pessoas com 45 anos de idade e habilitações ao nível da 4ª classe?). Dão-lhes o pequeno-almoço na escola e dão-lhes o almoço e o lanche. O pior é à noite e sobretudo ao fim-de-semana. Quantas vezes aquelas duas crianças foram para a cama com meio copo de leite no estômago, misturado com o sal das suas lágrimas…
Sem saber o que dizer, segureia-a pela mão e meti-lhe 10 euros no bolso. Começou por recusar, mas aceitou emocionada. Despediu-se a chorar, dizendo que tinha vindo ter comigo apenas por causa da mensagem que eu enviara na caderneta. Onde eu dizia, de forma dura, que «o seu educando não está minimamente concentrado nas aulas e, não raras vezes, deita a cabeça no tampo da mesma como se estivesse a dormir».
Aí, já não respondi. Senti-me culpado. Muito culpado por nunca ter reparado nesta situação dramática. Mas com 8 turmas e quase 200 alunos, como podia ter reparado?
É este o Portugal de sucesso dos nossos governantes. É este o Portugal dos nossos filhos.
Acontece que o mais velho é meu aluno. Anda no 7.º ano, tem 12 anos mas, pela estrutura física, dir-se-ia que não tem mais de 10. Como é óbvio, fiquei chocado. Ainda lhe disse que não sou o Director de Turma do miúdo e que não podia fazer nada, a não ser alertar quem de direito, mas ela também não queria nada a não ser desabafar.
De vez em quando, dão-lhe dois ou três pães na padaria lá da beira, que ela distribui conforme pode para que os miúdos não vão de estômago vazio para a escola. Quando está completamente desesperada, como nos últimos dias, ganha coragem e recorre à instituição daqui da vila – oferecem refeições quentes aos mais necessitados. De resto, não conta a ninguém a situação em que vive, nem mesmo aos vizinhos, porque tem vergonha. Se existe pobreza envergonhada, aqui está ela em toda a sua plenitude.
Sabe que pode contar com a escola. Os miúdos têm ambos Escalão A, porque o desemprego já se prolonga há mais de um ano (quem quer duas pessoas com 45 anos de idade e habilitações ao nível da 4ª classe?). Dão-lhes o pequeno-almoço na escola e dão-lhes o almoço e o lanche. O pior é à noite e sobretudo ao fim-de-semana. Quantas vezes aquelas duas crianças foram para a cama com meio copo de leite no estômago, misturado com o sal das suas lágrimas…
Sem saber o que dizer, segureia-a pela mão e meti-lhe 10 euros no bolso. Começou por recusar, mas aceitou emocionada. Despediu-se a chorar, dizendo que tinha vindo ter comigo apenas por causa da mensagem que eu enviara na caderneta. Onde eu dizia, de forma dura, que «o seu educando não está minimamente concentrado nas aulas e, não raras vezes, deita a cabeça no tampo da mesma como se estivesse a dormir».
Aí, já não respondi. Senti-me culpado. Muito culpado por nunca ter reparado nesta situação dramática. Mas com 8 turmas e quase 200 alunos, como podia ter reparado?
É este o Portugal de sucesso dos nossos governantes. É este o Portugal dos nossos filhos.
in Aventar
O Diário do Professor Arnaldo – Ainda o drama da fome nas escolas
No dia 19 de Novembro, escrevi o post A fome nas escolas, relativo a uma situação concreta de que tive conhecimento na minha escola e que envolvia alunos meus.
Nos últimos dias, o texto começou a espalhar-se por mail e por diversos blogues de grandes audiências, trazendo para primeiro plano um assunto que, no fundo, não tem nada de novo. Infelizmente, a fome das crianças portuguesas tem vindo a aumentar constantemente nos últimos anos, na mesma medida em que os lucros das grandes empresas tendem a aumentar.
E há em tudo isto uma questão que é decisiva: como seria se não fossem as escolas? Se não fossem as refeições providenciadas pelas escolas, muito para além daquela que é a sua obrigação legal, e muitas vezes envolvendo dinheiro dos professores, já teria havido crianças a morrer à fome.
Quanto ao caso que denunciei, só espero não ter perdido o rumo daquelas crianças. Nos Conselhos de Turma de Dezembro, ouvi uns zunzuns acerca da emigração da família para o estrangeiro. Não sei se é verdade, mas o certo é que o aluno faltou à única aula que tive com ele neste Período que está agora a começar. Também não seria novidade os pais partirem e deixarem os filhos ao cuidado de familiares. Sinceramente, não sei.
Seja como for, agradeço a todos os leitores e comentadores que manifestaram a sua preocupação e posso garantir que farei tudo o que está ao meu alcance para a preocupação de todos não tenha sido em vão. Quanto à identidade da família, como é óbvio, nunca poderá ser revelada publicamente sem autorização.
Nos últimos dias, o texto começou a espalhar-se por mail e por diversos blogues de grandes audiências, trazendo para primeiro plano um assunto que, no fundo, não tem nada de novo. Infelizmente, a fome das crianças portuguesas tem vindo a aumentar constantemente nos últimos anos, na mesma medida em que os lucros das grandes empresas tendem a aumentar.
E há em tudo isto uma questão que é decisiva: como seria se não fossem as escolas? Se não fossem as refeições providenciadas pelas escolas, muito para além daquela que é a sua obrigação legal, e muitas vezes envolvendo dinheiro dos professores, já teria havido crianças a morrer à fome.
Quanto ao caso que denunciei, só espero não ter perdido o rumo daquelas crianças. Nos Conselhos de Turma de Dezembro, ouvi uns zunzuns acerca da emigração da família para o estrangeiro. Não sei se é verdade, mas o certo é que o aluno faltou à única aula que tive com ele neste Período que está agora a começar. Também não seria novidade os pais partirem e deixarem os filhos ao cuidado de familiares. Sinceramente, não sei.
Seja como for, agradeço a todos os leitores e comentadores que manifestaram a sua preocupação e posso garantir que farei tudo o que está ao meu alcance para a preocupação de todos não tenha sido em vão. Quanto à identidade da família, como é óbvio, nunca poderá ser revelada publicamente sem autorização.
Eu fiz a minha parte. Falemos de fome, falemos de desemprego, falemos de miséria, falemos de Portugal e dos portugueses.
Chega de merdas e de discussões porcas e reles, sem substância ou significado, e que desviam a atenção e suspendem o futuro do país.
Sem comentários:
Enviar um comentário