segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O bem comum e a prática da virtude

A busca de um consenso moral

As discussões morais e políticas frequentemente enfocam as divisões e conflitos e não o que existe em comum. Segundo Carl Anderson, presidente da organização católica Cavaleiros de Colombo, isso é um erro.

Em seu recente livro, "Beyond a House Divided: The Moral Consensus Ignored by Washington, Wall Street and the Media" ("Para além de uma casa dividida: o consenso moral ignorado por Washington, Wall Street e a Mídia"), Anderson duvidou da utilidade de uma análise da América do Norte com base nas categorias da direita contra a esquerda ou de Estados vermelhos (os estados que votam mais no Partido Republicano) contra os Estados azuis (que votam mais no Partido Democrata).

Durante os últimos dois anos, os Cavaleiros de Colombo analisaram as visões e valores da população através de uma série de pesquisas. Os temas abordados incluíram casamento e divórcio, aborto, eutanásia, casamento homossexual e o papel da ética nos negócios e na política. Segundo Anderson, as entrevistas têm encontrado uma unidade surpreendente entre muitos norte-americanos com base em valores morais e éticos.

A mídia apresenta a América em tempo de crise - seja uma crise económica, uma crise de guerra ou uma crise de imigração -, mas sob o impacto económico, social e político está uma crise moral. Mais de dois terços dos americanos acreditam que a moralidade do país tem tomado uma direcção errada, disse Anderson.

Esta é a principal causa da desilusão das pessoas com relação às instituições e partidos políticos. "Os políticos e os meios de comunicação vêem um mundo de esquerda e direita", observou Anderson. Em contraste, "os americanos vêem o mundo do bem e do mal".

Como outros comentaristas têm observado sobre o norte-americano contemporâneo, Anderson mostrou que o país tem um elevado nível de prática religiosa e que muitos dos debates sobre questões sociais e políticas são enquadrados em termos morais ou religiosos. Cerca de 80% das pessoas disseram que a religião é uma parte importante de suas vidas, e mais de três quartos sustentaram que o matrimónio, o respeito pelos outros e a responsabilidade pessoal são subestimados.

O bem e o mal

Voltando à crise económica duradoura, Anderson disse que muitas pessoas perderam as suas poupanças e pensões, ou foram forçadas a deixar suas casas. No entanto, na maioria dos casos, nenhuma lei foi violada e ninguém foi responsabilizado. É um problema de legislação inadequada ou, mais fundamentalmente, a falta do bem e do mal, uma falência moral por parte dos investidores e gestores de dinheiro?

Uma pesquisa mostrou que 92% das pessoas acreditam que a ganância foi o principal fator que causou a crise econômica. Apesar disso, os dois principais partidos políticos se concentraram em mais regulamentações e mais legislação, ignorando o consenso de que foi um problema que não pode ser resolvido apenas com mais leis.

A ganância pode sempre encontrar uma outra escapatória, comentou Anderson, razão pela qual limitar a solução apenas à criação de meios legais significa que estamos condenados a um interminável jogo. O que as pessoas querem hoje é um apelo à moralidade por ambos os líderes, económicos e políticos, acrescentou.

A natureza humana é capaz de ambos, a cobiça e o altruísmo, afirmou Anderson. Por isso, é necessário ir além de um sistema económico baseado exclusivamente em interesse próprio. É preciso, no entanto, desafiar as pessoas de pensar sobre as consequências de suas acções.

A preocupação com o bem comum e a prática da virtude ajudaria muito a garantir um sistema em que o lucro não seja à custa dos outros, disse Anderson.

A esmagadora maioria das pessoas quer que as decisões empresariais sejam orientadas por escolhas morais. Cerca de dois terços dos americanos acreditam que os valores religiosos têm o seu lugar na hora de influenciar as decisões dos executivos, e até mesmo um número maior de executivos - 70% - concordou com isso.

Uma situação similar existe na política. A maioria das pessoas está cansada de querelas políticas e acredita que os políticos perderam o contato com o povo. "A questão da polarização política não é um problema para a maioria de nós, embora seja para muitos políticos e peritos; não somos totalmente vermelhos ou totalmente azuis", observou Anderson.

Descontentamento

Além disso, mais de 80% das pessoas acham que os políticos estão tendo a bússola moral da nação na direção errada - um elevado nível de insatisfação também em relação à mídia e à indústria do entretenimento.

Os americanos tendem a favorecer um papel limitado do governo, não só por causa de uma preferência de sempre pelo indivíduo, mas também pela convicção de que a elite de Washington não concorda com os valores éticos da maioria da nação, constatou Anderson. Não é difícil para os políticos descobrir quais são os valores e as preocupações das pessoas: precisam apenas ouvir, afirmou.

Um tema que tem causado divisão há anos é o aborto. Na superfície, parece que o debate é uma amarga divisão entre a postura pró-vida e atitude a favor do direito de decidir.

As pesquisas mostram, entretanto, uma clara preferência por uma lei do aborto que seja mais restritiva do que a situação actual, na qual não há limites na hora de realizar abortos. Cerca de 80% dos americanos estão a favor de uma situação em que o aborto seja limitado ao primeiro trimestre, observou Anderson. Apenas 16% dos homens e 11% das mulheres dizem que o aborto deveria ser legal a qualquer momento.

Assim, em vez de um choque de posições absolutas há, de facto, um grau surpreendente de consenso. "Esse consenso moral - de que o aborto pode e deve ser restrito - deve ser o ponto de partida para resolver o impasse político do aborto", disse Anderson.

Em outro tema quente do debate - o "casamento" entre pessoas do mesmo sexo -, as reportagens da mídia dão a impressão de que a opinião pública está dividida ao meio.

A pesquisa dos Cavaleiros de Colombo revela, no entanto, que, quando recebem uma gama completa de opções - "casamento" de pessoas do mesmo sexo, uniões civis ou a negação de reconhecimento legal -, 38% são a favor de não dar qualquer tipo de reconhecimento legal, 28% apoia as uniões civis e, dessa forma, quase dois terços discordam de uma redefinição do casamento.

Este apoio à visão tradicional do casamento é evidente no facto de que os eleitores em 31 estados apoiaram as alterações que definem o casamento como somente entre um homem e uma mulher, disse Anderson. Em todos os lugares onde o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi legalizado, isso ocorreu por decisões de juízes ou políticos, e não pelo público.

As actuações jurídicas precipitadas, como aconteceu com o aborto no caso Roe versus Wade, seriam um grave erro, advertiu Anderson, e levariam a mais divisões que as existentes atualmente no debate nacional sobre o tema do casamento homossexual.

Divisão

No capítulo final do livro, Anderson mostra que é inegável que existe uma divisão de valores entre os americanos e os que estão no governo. Há também uma divisão entre o consenso da maioria dos cidadãos em muitas questões, e a tendência habitual da mídia a apresentar o debate como um conflito entre as posições extremas.

O regresso a valores morais tradicionais como meio de resolver as crises econômicas e sociais do nosso tempo é o caminho no qual aposta a grande maioria dos americanos. "Somos um povo unido por valores, uma nação que respeita aqueles que doam seu tempo para os outros e as organizações que facilitam essas atividades", disse Anderson.

Chegou a hora de que os políticos vejam este consenso e vão além do impasse que caracteriza os debates sobre várias questões, insistiu.

Anderson também sugeriu que o debate sobre questões de política económica ou social seja caracterizado por um maior grau de caridade, respeito e cortesia. Em geral, este pequeno livro, de apenas uma centena de páginas, lança um apelo a reconhecer a base de sólidos valores que continua unindo a maioria dos americanos.

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Na internet: "Beyond a House Divided": http://www.amazon.com/Beyond-House-Divided-Consensus-Washington/dp/030788774X

Pe. John Flynn, LC
Roma, 5 de Dezembro de 2010 (ZENIT.org).

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