sexta-feira, 21 de maio de 2010

«Não dê esmola, dê futuro»

«Foi o sociólogo socialista francês Jean Pierre Rosanvallon o primeiro a dizer que o rendimento mínimo garantido se transformou numa forma de assalariar a exclusão. Inicialmente, tanto em França como por cá, o então RMG foi entendido como uma prestação social que permitia, em certas e determinadas situações, criar as condições mínimas para a inserção social de pessoas em situação de grande precariedade, que sem essa alavanca nunca conseguiriam iniciar um autoprocesso nesse sentido. Ou seja: mantém-se o princípio de ensinar a pescar mas, em casos excepcionais, justifica-se que primeiro se dê o peixe.

«Os riscos de que esta medida fosse pervertida - no espírito e na prática - provocando um crescente desequilíbrio entre o esforço de subsidiação e o esforço de inserção foram trazidos ao debate parlamentar aquando da apresentação da proposta de lei a cargo do então ministro Ferro Rodrigues. O exemplo francês, quer nos fracassos quer nas medidas correctivas, foi naturalmente trazido à colação. Passaram-se 15 anos e aqui estamos, de novo, a debater a questão, confrontados com um histórico de reduzidíssimo retorno expresso no número de cidadãos que efectivamente alcançaram a capacitação e a autonomia a que tinham direito, face aos milhões de euros engolidos numa voragem de distribuição pouco rigorosa e nunca verdadeiramente avaliada, de subsídios.

«Assalariámos a pobreza, como preconizava Rosanvallon? Sem dúvida que sim. O espírito assistencialista da prestação, o seu automatismo e o facto de ser um rendimento de garantia e não um rendimento de inserção potenciaram a inércia social geralmente associada a mecanismos de pura subsidiação e consagraram a dependência como forma de vida minando a dignidade das pessoas, a sua auto-estima e desvalorizando o reforço da capacidade individual para se bastar. Tudo mergulhado num caldo de permissividade e suspeição.

«É pena. Não só pela dissipação inútil de recursos desperdiçados em milhares de situações que os não justificavam, mas sobretudo pela degradação de uma importante prestação social, hoje totalmente dissociada da mobilidade social que se propunha estimular, olhada com suspeição pelos contribuintes e pelos cidadãos em geral, que a vêem como um prémio à preguiça.


«No Brasil de Henrique Cardoso, quando se iniciou um período muito criativo de intervenção social com modelos assentes num esforço partilhado de capacitação e empoderamento, em parceria com os beneficiários com vista à sua autonomização, o novo espírito desse relacionamento mais dinâmico, mais inclusivo e muito mais digno era sintetizado na seguinte frase: não dê esmola, dê futuro.

«Em Portugal, os subsídios estatais são as esmolas do nosso tempo. Os governos socialistas pensaram resolver grande parte da pobreza e da exclusão com esmolas, o que não deixa de ser irónico. É certo que se apresentam mascaradas de direitos mas, afinal, representam o fraco investimento que o Estado está disposto a fazer nas pessoas, vistas apenas como utentes passivos.


«A Rede Europeia de Luta contra a Pobreza há muito afirma a urgência em promover, com carácter prioritário, a participação activa das próprias pessoas afectadas por estes fenómenos, acreditar nelas como parte da sua própria solução, cortar os círculos viciosos da pobreza, muitas vezes alimentados pelo sistema que prefere manter a "coesão social" do silêncio e da dependência.

«É de tudo isto que agora se trata. Com mais de uma década de atraso vamos ver se, por fim, um excesso de correcção política bacoca e prejudicial abre espaço a uma política pública mais digna, equitativa e eficaz. Antes que o racionamento se instale em nome da crise e com as suas medidas cegas faça pagar o justo pelo pecador.»

por MARIA JOSÉ NOGUEIRA PINTO,
http://dn.sapo.pt/

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