(Entrevista a Caetano Veloso, no Expresso de 24.12.2009)
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O que o inspira? Quando quer descobrir o que se anda a produzir de novo no mundo, para onde olha?
A vida é um encantamento. Há sempre muita coisa nova. Mas sinto muito orgulho pela vitalidade no Brasil. Há ainda uma originalidade... Parece-me que o Brasil tem uma tarefa a cumprir.
Que tarefa?
É uma tarefa muito grande: salvar o mundo. É curioso, porque sinto isso desde garoto. Quando, em 1986, fiz "Cinema Falado", o meu filho que na altura tinha 8 anos, aparecia a dizer: "O Brasil ainda não chegou ao século XIX, mas vai ser o primeiro país do século XXI." Isso já era uma coisa minha. Embora em muitos aspectos o Brasil seja um lugar horrendo, tem agora uma oportunidade.
Mas o que tem o Brasil de tão especial que lhe caiba a tarefa de "salvar o mundo"?
Atribuo parte disto ao facto de o Brasil ser a América portuguesa. Termos dimensões continentais, sermos os únicos a falar português no continente americano, sermos uma população altamente miscigenada, o que geralmente é visto como uma desvantagem. Mas, para mim, esse conjunto de desvantagens sempre foi lido como uma benção. O isolamento do Basil no continente, este ensimesmamento... Sempre senti isso desde que me comecei a entender por gente, como brasileiro. Quando, com 17 anos, ouvi pela primeira vez João Gilberto cantar, percebi que tínhamos de reconhecer que as nossas desvantagens nos apontavam para uma grande oportunidade criativa. E que isso era uma grande tarefa. Uma tarefa boa.
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Que afinidades sente com Portugal?
Sempre senti afinidade e sempre foi uma coisa muito concreta. Aos 9 anos, em Santo Amaro, eu cantava fados. (...) Foi o primeiro lugar a que eu vim fora do Brasil, em 1968. Tinha uma grande emoção de conhecer a pátria da língua portuguesa.
Viu um Portugal muito atrasado.
Era triste. Mas eu amei!
Muitos brasileiros não gostam dessa relação com o passado.
Não me identifico com essas pessoas. Não é esse o ambiente da minha casa, nem a tendência dominante de quem me cerca. Para mim, Portugal e Brasil são uma coisa só. Adoro a "Mensagem", é um dos mais gloriosos poemas. Penso como os sebastianistas. Portugal é esse gesto de ter saído para o mar todo, ter criado o globo terrestre e ter-se desdobrado em Brasil, Angola, Moçambique, Goa, Cabo Verde... Considero uma grande interpretação da "Mensagem" o livro de Agostinho da Silva. Ele também era um sebastianista, e escreveu-o no Brasil. Termina o livro falando nas festas do Divino em Santa Catarina. É emocionante. Conheci o professor Agostinho da Silva, na Bahia, e todas estas coisas influenciaram-me muito porque, intuitivamente, tive sempre essa visão. (...)
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