quarta-feira, 31 de março de 2010

"A chegada de Passos"

"Pedro Passos Coelho está para a liderança do PSD como José Sócrates esteve para a do PS: nas políticas económicas ambos se posicionam consideravelmente mais à direita do que é tradição nos respectivos partidos. Por curiosidade, diga-se também que ambos compensam essas posições com as que tomam nos chamados temas fracturantes, com visões mais abertas dos caminhos impostos pelas novas realidades sociais. Tal como o actual primeiro-ministro, Passos começou a sua carreira política na "Jota" partidária, é aguerrido e tem uma boa dose de obstinação. Como já se percebeu, também soube montar uma máquina suficientemente profissional para aguentar a chama viva da sua candidatura durante dois anos e tem a perfeita noção da importância da imagem e do efeito de uma comunicação eficaz. Demasiadas semelhanças?

"Para já, Passos Coelho conta com a vantagem de ser o elemento novo do sistema e de ir enfrentar um chefe do Governo desgastado por "casos" intermináveis e por uma crise económica sem fim à vista. Mas essa vantagem também pode desabar como um baralho de cartas, se um passo em falso defraudar a expectativa que a sua eleição suscitou. Uma situação que ponha em causa as suas convicções, como aconteceu no recente congresso do PSD, quando apelou ao perdão de Alberto João Jardim em nome de um punhado de votos, pode ser fatal para alguém que tem de se impor ao partido e ao País. Se há aspectos a que os eleitores vão estar atentos, são os das promessas e das mudanças de posição e, em caso de dúvida, ninguém se espante que se decidam pelo que já conhecem. Ora, José Sócrates é um osso duro de roer, não vai atirar a toalha ao chão e dará luta até ao fim.

"Aconteça o que acontecer no médio prazo, a verdade é que a eleição do novo líder do PSD obrigará a reflexões decisivas tanto no Largo do Rato como no Palácio de Belém. Com a saída de Ferreira Leite, Cavaco Silva viu cortada a linha directa de concertação estratégica que mantinha com a Rua de São Caetano à Lapa. Ora Cavaco e Passos nunca foram propriamente os melhores amigos do mundo. Aliás, se há chapéu a tirar ao novo líder laranja é nunca se ter convertido em yes-man numa altura em que Cavaco era o todo-o-poderoso primeiro-ministro, ungido pela força de duas maiorias absolutas esmagadoras. Já então o liberal Passos Coelho desconfiava do modelo mais keynesiano de Cavaco e dizia-o. Agora, vão ter de conviver, mas nunca o Presidente da República ficara tão entregue a si próprio, desde que está em Belém. Aparentemente, nesta fase, o seu interesse em evitar crises políticas está muito mais próximo do PS do que de muita gente do "novo" PSD. Será que ambos - Cavaco e Passos - conseguirão ver para além desta fase conjuntural?

"No Largo do Rato, as coisas não são menos complexas. Um chefe de oposição mais agressivo e mais radical nas medidas económicas tem, necessariamente, de obrigar o PS a repensar o seu posicionamento político. Se é para desmantelar o património do Estado, é natural que se entregue a tarefa a quem tem realmente perfil para o fazer. Passos não vai dar margem para os socialistas crescerem à direita. E à esquerda, com Sócrates, é ainda possível haver qualquer ilusão?"

Áurea Sampaio,
Visão, 31/3/2010

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