quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

"Sócrates e a sua sombra"

"A entrevista dada a Miguel Sousa Tavares pelo primeiro-ministro é do mais triste que me foi dado ver. E note-se que tal não se ficou a dever ao entrevistador mas ao entrevistado, que aproveitou ir à boleia para consolidar uma nova posição defensiva, politicamente contraproducente e tacticamente indigente. Acreditando no provérbio popular que enquanto o pau vai e vem folgam as costas, Sócrates barricou-se, agora, numa inversão do ónus da prova. O que até estaria correcto se todas estas histórias tivessem um outro protagonista, se todo este folhetim se circunscrevesse ao âmbito judicial. Mas sabemos todos que não é assim.

"A questão é, hoje, eminentemente política ou não fosse o seu principal personagem o primeiro-ministro (que temos). Os juízos que inevitavelmente se fazem são também, políticos. É que nas sociedades livres os políticos são julgados na base das percepções, e nem podia ser de outra forma, percepções aliás não da exclusiva responsabilidade da opinião publicada ou da mediação da comunicação social, mas de um longo encadeado de factos infelizes, mal explicados, eivados de contradições e que foram tendo as suas consequências que se tornaram, elas também, factos políticos igualmente graves.

"Por tudo isto, a pergunta que sobra é inevitável: Sócrates tem, ainda, condições políticas para se manter no cargo que ocupa? O adensar de um clima inóspito de suspeição ou mero cepticismo, a postura pouco recomendável dos responsáveis máximos do sistema judicial, as contradições sucessivas dos intervenientes, a sucessão penosa de episódios, são factores políticos neutralizáveis por uma postura de negação passiva?

"Em quantos países, desses a que chamamos de civilizados, se vêem coisas tão extraordinárias como a entrevista do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ou as declarações do procurador-geral da República, ou as estudadas afirmações de inocência do chefe do Governo? E como não concluir que algo está muito podre neste reino - ou parece estar, o que em política vai dar ao mesmo - e que o normal funcionamento das instituições foi substituído por uma guerrilha institucional de desgaste rapidíssimo?

"Quando o Parlamento decide ouvir, no âmbito de uma comissão parlamentar, uma série de presumíveis vítimas da conduta de Sócrates e durante horas os portugueses acedem em directo a um verdadeiro lavar de roupa suja, alguém pensa que tal não terá consequências políticas? Quando apaniguados do primeiro-ministro escolhem a forma de manifesto para demonstrar o repúdio público "pelo que se tem passado", pela "confusão entre o que é do domínio da justiça e do domínio político" e consideram que a democracia corre mais riscos do que Sócrates, acaso não fica clara a nova táctica política para mais um fôlego governamental?

"Tudo isto, que já seria demasiado em tempos normais, torna-se insustentável em tempos de uma crise que fez emergir o lixo que durante muito tempo fomos varrendo para debaixo do tapete: uma cultura de irresponsabilidade, atrasos estruturais, questões mal resolvidas, uma baixa eficiência das políticas sociais, fracas competências, um tecido institucional esgarçado. A opção, claramente visível no discurso do primeiro-ministro, de um optimismo bacoco incapaz de convocar os portugueses a uma coesão nacional e social indispensável para ultrapassar a crise, é o sinal negativo de que o discurso do embuste vai prosseguir mesmo sabendo-se que, mais à frente, os factos o desmentirão.

"A grande maioria dos portugueses já intuiu que não é possível lutar pela sobrevivência do País e deste Governo ao mesmo tempo e o partido socialista vai a caminho de intuir o mesmo. Portugal não precisa de novas eleições mas precisa de uma trégua para ultrapassar a situação em que se encontra, de instituições que funcionem, de uma liderança credível. Tudo o que Sócrates já não pode promover porque, no ponto onde está, a sua sombra é maior do que ele próprio."

Mª José Nogueira Pinto
in DN, 25.2.2010

2 comentários:

Marta Ferreira disse...

Eheh!

E essa senhora está à espera de quê?

E que tal uma moção de censura, a ver se o povo nos dá a maioria absoluta? :P

Paulo Novais disse...

Crente, cara Marta. Crentes como sempre.

Para memória futura, não acho que tenha de ser apresentada qualquer moção de censura ao governo.

Aliás, com o esforço que a maioria (é verdade o PS está em minoria na AR) da oposição está a efectuar para tornar possível a governabilidade, mesmo em minoria de governo, então, se não consideram ter condições para o fazer (bem nunca fez, mas faz de conta) o partido socialista é que se deve demitir do governo. Tenham a coragem de o fazer.

Não empurrem para a oposição esse ónus. Isso queriam vocês. Ui, mas se queriam.
Depois vinha o choradinho dos "coitadinhos que nos derrubaram e nós até queríamos governar mesmo em minoria" para ter a comiseração do povo e pronto. Vai lá vai, até a barraca abana.

Isso queriam vocês. Ui, mas se queriam.

;)