sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Desenvolvimento

“Guardai terras antigas, a vossa pompa histórica!” grita ela
Com lábios silenciosos. “Dai-me os vossos fatigados, os vossos pobres,
As vossas massas encurraladas, ansiosas por respirar liberdade,
A miserável ralé das vossas costas apinhadas.
Mandai-me os sem abrigo, os arremessados pelas tempestades,
Pois eu ergo o meu farol junto ao portal dourado.”

Emma Lazarus, Nova Iorque, 1887
(inscrito na Estátua da Liberdade).


Braga tem 52.000 desempregados

Qualquer política local tem que ter o drama do desemprego como prioridade. Tem que se procurar o “desenvolvimento fundado na centralidade do ser humano, na promoção e partilha do bem comum, na responsabilidade, na consciência da necessidade de mudar os estilos de vida e na prudência, virtude que indica as acções que se devem realizar hoje na previsão do que poderá suceder amanhã." (1)

“Uma cidade democrática não é apenas uma cidade onde há liberdade de expressão.
“Temo-la (à liberdade de expressão) malgré tout, há 35 anos, mas a nossa cidade é elitista e injusta. Os lugares onde se passam as várias coisas que importam numa cidade, os lugares onde há diversões, cultura, emprego, escola, comércio, mercados, só possibilitam acesso a quem tenha dinheiro (…).
“À grande maioria estão vedadas as centralidades. (…) O automóvel privado trouxe a ilusão de que todos poderiam viver onde quisessem, já que rapidamente se fariam transportar para os pontos da enorme “rede” que mais lhes interessassem. (…)
“Mas os automóveis privados para poderem coexistir no espaço-cidade precisam que uma parte substantiva da população se mantenha dependente de transportes públicos, ou não caberiam mais tantas latas juntas.
E ei-los, esses 50 por cento desmotorizados, dóceis, conformados nas paragens das mais desconfortáveis camionetas a sonhar (…).

“Uma cidade democrática, uma cidade onde os pobres e os ricos – as pessoas, todas as pessoas –, sejam tratados com igual respeito, terá que dar, fornecer, possibilitar: cuidados de saúde, escolaridade, emprego, transportes colectivos e acesso à cultura, bem como habitação decente, a todos os seus habitantes.
“Se concordamos ser inconcebível que alguém ainda não tenha água canalizada, esgotos e electricidade, mais cabo de televisão ou internet, porque continuamos a pensar ser aceitável que alguns não tenham acesso a transportes decentes e confortáveis ou escolas por perto, ou centros de saúde? (…)
Porque é que as casas de renda económica são situações de atropelo e falta de espaço para além de construídas sempre na periferia de tudo?

“É quase fácil voltarmos o nosso olhar para longe e perante a carência extrema (como em África) aquietarmos a nossa boa consciência: mas Braga é ainda demasiado assimétrica e triste para que cruzemos os braços.” (2)

Como pode a Câmara Municipal de Braga actuar? Deixo alguns tópicos a desenvolver:
1. Na educação: promover a liberdade de escolha da escola, livros, transportes; ensino especial; ensino particular.
2. À família: apoio na habitação de dimensão adequada, na alimentação, em vestuário, no aquecimento.
3. Na criação de riqueza: aliada à recuperação do Centro Histórico, podemos conseguir espaços para pequenos negócios culturais – e outros – com rendas a 1,00 €; micro crédito; apoio à exportação; o empreedorismo, a inovação; o INL.
4. Impor critérios exigentes na utilização dos dinheiros públicos;
5. Desenvolver práticas de solidariedade (dentro e fora de portas);
6. Dar resposta às questões da habitação e dos transportes.



O respeito por cada pessoa e por todas as pessoas leva-nos a agir. Podemos começar pelos mais novos:
“Não se pode pedir aos jovens que respeitem o ambiente, se não são ajudados, em família e na sociedade, a respeitar-se a si mesmos: o livro da natureza é único, tanto sobre a vertente do ambiente como sobre a da ética pessoal, familiar e social.” (3).
A maior riqueza de Braga está em cada uma das suas pessoas. E, a existir qualquer descriminação, que ela seja pela positiva: primeiro os mais frágeis, os mais novos, os doentes, etc.


Que desenvolvimento, que riqueza?

“É necessário elaborar políticas idóneas (…) que hão-de trazer importantes benefícios sobretudo a médio e a longo prazo. Enfim, é necessário sair da lógica de mero consumo para promover formas de produção agrícola e industrial que respeitem a ordem da criação e satisfaçam as necessidades primárias de todos.

“ (…) É importante que cada um se comprometa a trabalhar para que deixem de prevalecer os interesses particulares. Um papel de sensibilização e formação compete de modo particular aos vários sujeitos da sociedade civil empenhados com determinação e generosidade na difusão de uma responsabilidade ecológica, que deveria aparecer cada vez mais ancorada ao respeito pela «ecologia humana».” (3)

Os mais pobres, os mais novos, os idosos, têm que ser a nossa prioridade, se queremos uma cidade mais humana e acolhedora.
O CDS defende que a Câmara pode e deve intervir – e não ficar apática, como agora acontece. Com isto será possível melhorar a qualidade de vida em Braga e construir um futuro apelativo e atraente para todos.

Nuno Oliveira Dias
Publicado no DM em Janeiro de 2010


(1) S. Tomás de Aquino, Suma Teológica;
(2) Manuel Graça Dias, in JA, Julho 2009 (adaptado);
(3) Bento VXI, Dia Mundial da Paz, 1.I. 2010.

8 comentários:

Marta Ferreira disse...

Nuno, o artigo está muito bem escrito, mas conhecendo a realidade das políticas sociais do concelho, ao lê-lo, parece-me que estás a falar de outro concelho que não o de Braga.

As questões da igualdade, da integração, da solidariedade, e do combate à exclusão sempre constituíram princípios norteadores das políticas socialistas em Braga. Para o PS Braga, essas são algumas das mais fortes condições da cidadania democrática.

Em contexto de crise, constata-se que as autarquias, e também as instituições do 3º sector, são as mais solicitadas para resolver os problemas imediatos das pessoas. De facto, é inegável o papel que actualmente o poder local tem no combate às várias formas de pobreza.

Sendo a acção social/políticas sociais uma das áreas que politicamente mais me interessa, e sobre a qual produzo mais documentos, acho que o verdadeiro avanço nessa área só acontecerá quando ocorrer uma efectiva territorialização/descentralização de competências.

É conhecida a intenção descentralizadora do nosso governo. Na última legislatura, as autarquias receberam um conjunto de novas competências da Administração Central, mas foi um processo de descentralização que ficou muito aquém das minhas expectativas. Das três áreas definidas para descentralizar – Educação, Acção Social e Saúde –, só na primeira é que o processo de transferência de competências teve uma dimensão expressiva.

Nas Grandes Opções do Plano entre 2010 e 2013, o PS prevê um aprofundamento da descentralização de competências no domínio da Acção Social. Mas, havendo algumas questões que não se pode alhear deste processo de territorialização das Políticas Sociais, aguardo para ver de que forma tal se concretizará.

Mas voltando à "vaca fria", e ao concelho de Braga, penso que o teu artigo não espelha a nossa realidade.

Braga tem sido referenciado como um concelho exemplo de "Boas práticas" ao nível da acção social, e designadamente no que respeita às Políticas Sociais de Habitação. Prova disso são as reportagens e notícias que têm vindo a ser feitas, bem como os convites que têm sido formulados ao município para expôr as estratégias de actuação adoptadas...

De facto, no que respeita à habitação há vários aspectos que devem ser tidos em conta: Braga abandonou a política de construção de bairros sociais há vários anos, reconhecida que foi a sua ineficácia no que respeita à inserção efectiva das pessoas com menores recursos. A concentração de pessoas homogeneas do ponto de vista social e económico levou à guetização dos espaços, não gerando expectativas de promoção social das populações, pela ausências de referências.
Por conseguinte, e sendo que a oferta para arrendamento no concelho é vasta, decidiu o município enveredar por um processo de atribuição de subsídios. Assim, para além de se dinamizar o mercado de arrendamento, contribui-se para a dispersão das famílias carenciadas pelo concelho, praticando aquilo a que os franceses apelidaram de "mixité sociale". Desta forma, não se poderá dizer que vivemos numa cidade hierarquizada (zonas exclusivamente ricas, zonas exclusivamente pobres), pois as pessoas é que escolhem a habitação para arrendar, na zona e com as condições que considerarem melhores para si e para o agregado.

Outro aspecto positivo desta medida tem que ver com a inserção das famílias. Os subsídios são temporários, renováveis, e prevêm um plano de inserção para as famílias durante o período de concessão.

Acho que quando dizes que as casas de renda económica se caracterizam pelas "situações de atropelo e falta de espaço" não estarás a falar de Braga, pois houve sempre o esforço de desdobramento das famílias, evitando situações de sobreocupação dos espaços.

E também não considero que as habitações sociais em Braga se localizem em espaços periféricos. Na verdade, há um em S. Vicente, dois em S. Victor, um em S. Lázaro e outro em Maximinos (este em processo de demolição).

E já escrevi demasiado, mas estarei por cá para esclarecimentos adicionais. :)

Nuno disse...

A mim parece-me que o discurso dos principais responsáveis do PS de Braga (MM e NAlpoim) é muito de auto satisfação. Como se falassem de Barcelona ou Londres...

E isso eu não posso aceitar. A verdade é que há miséria em Braga e está à vista de todos.

Marta Ferreira disse...

Sim, há pobreza em Braga e em todo o lado. Mas também é verdade que as políticas sociais em Braga são das mais avançadas do país, apesar das competências das autarquias serem ainda muito reduzidas na área da acção social. :)
Daí que eu defenda a descentralização de competências, e não apenas relativamente à criação das Cartas Sociais Municipais como está anunciado, mas também de um conjunto de matérias que considero "transferiveis".

Em primeiro lugar acho que as Cartas Sociais Municipais devem concertar a intervenção dos vários parceiros sociais, sendo para tal articuladas em sede do CLAS (integrando o Diagnóstico Social e o Plano de Desenvolvimento Social), e devem ser vertidas no PDM. Este procedimento permite priorizar áreas de intervenção e evitar a sobreposição de intervenções num território, com um indivíduo, agregados familiares ou grupos sociais;
Qualquer planeamento, no contexto das Cartas Sociais Municipais, deve ainda ser feito em articulação com as comunidades intermunicipais, pois um grande equipamento ou projecto social poderá cobrir mais do que um concelho, permitindo uma maior optimização das respostas sociais.

Penso que poderão ainda constituir atribuições das autarquias:
1. a atribuição de apoios a indivíduos em situação de pobreza extrema, sob a forma de uma prestação casuística, a conceder em situações de emergência social. As autarquias têm sido chamadas a prestar apoios similares, sem enquadramento técnico ou legal;
2. a atribuição de subsídios às instituições do 3º sector, como forma de executar a carta social (assegurando o funcionamento das valências e serviços e a execução dos projectos de intervenção social e comunitária);
3. a gestão de equipamentos sociais (estabelecimentos de retaguarda), sempre que a sociedade civil não os assuma.

Como em qualquer área há sempre aspectos a melhorar, mas é claro que a intervenção autárquica em Braga a este nível é mesmo bastante satisfatória. :)

Penso que também é de referir o papel determinante que têm tido as instituições do 3º sector em Braga, e que o município não deverá tentar substituir ou minimizar...

Rui Moreira disse...

Caro Nuno, grande artigo... sempre a pensar a cidade de um ponto de vista democrata-cristão... força aí, meu caro!

Paulo Novais disse...

Nuno,

Não ligues à má língua da Marta. É uma invejosa :D

Piadas à parte, vamos a coisas sérias. Gosto de ti quando escreves. Acho que tens, sozinho, mais potencial para dar à cidade de Braga, do que toda a bancada do PS junta (vá lá, pronto, tirando a Marta).

E a realidade é mesmo a do concelho de Braga. A única diferença, cara Marta, é de que não é vista pelos olhos de um socialista no poder.

Marta Ferreira disse...

Paulo,

estranha forma de elogiar as pessoas... :P
Podia defender os meus colegas de bancada, mas acho que não precisam.

Lanço-vos um desafio. Desenvolvam os "tópicos" que o Nuno apontou, e argumentem em que medida é que existe essa lacuna em Braga...

(Esta semana teve lugar um acontecimento que, tendo passado ao lado de muita gente, me parece de toda a importância para o concelho: O Acordo de cooperação entre a Universidade do Minho e o Município de Braga que prevê o desenvolvimento de três agendas estratégicas: para a regeneração urbana, talento, cultura e lazer; para a mobilidade, energia e sustentabilidade e para a criatividade, inovação e empreendedorismo.)

Nuno disse...

Parabéns, Marta!

Demoraram mais de trinta anos mas, finalmente!!!, fizeram um acordo com a UM.

Estava à frente dos vossos olhos, como é que não conseguiram ver todo o potencial de conhecimento da UM?

Nuno disse...

Paulo e Rui,

obrigado pelas palavras simpáticas. Aceito-as como incentivo à responsabilidade de servir as pessoas de Braga.

Conto convosco!

PS: tenho a certeza de que há muita gente com talento no PS. No entanto, as políticas seguidas em Braga têm demasiados erros, demasiado evidentes. (A UM é um deles, mas há muitos mais...).