quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Em homenagem a Zilda Arns, morta no terremoto do Haiti

ROMA, quarta-feira, 13 de janeiro de 2010 (ZENIT.org).- Entre os candidatos ao Prêmio Nobel da Paz do ano 2001 estava a Pastoral da Criança, fundada e coordenada pela médica Zilda Arns. Na ocasião, a sanitarista conversou em Roma com o editor-chefe da ZENIT, o jornalista Jesús Colina. Em homenagem a Zilda Arns, morta no terremoto do Haiti, publicamos a entrevista, inédita em português.

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–Qual é a contribuição que a Pastoral da Criança oferece à luta contra a desnutrição e mortalidade infantil no Brasil?

–Zilda Arns Neumann: Respondo-lhe com alguns dados. Os 150.000 voluntários [hoje são 260.000, N. do R.] da Pastoral da Criança trabalham cada um deles com entre 10 e 20 famílias. Ensinam coisas muito simples –costumam ser pessoas com um grau de instrução muito baixo–, mas indispensáveis para a saúde das crianças: nutrição de mães gestantes, lactância materna, reidratação oral, vacinas. Ocupamo-nos da educação de 1,6 milhão [hoje 1,8 milhão] de crianças desde que nascem até os seis anos. Cada ano, além disso, ensinamos 32.000 adultos a ler e a escrever, quase sempre mães. Tudo isso influi na alfabetização e na redução da mortalidade infantil em todo o país. A desagregação familiar no Brasil é uma chaga. Os homens, frequentemente, abandonam a mulher e os filhos.

–De modo que sua atividade em grande parte se dirige às mulheres?

–Zilda Arns Neumann: Sim, as mulheres têm muito interesse em ser agentes de transformação. Querem aprender para poder criar melhor seus filhos. De nossos 150.000 voluntários, 130.000 são mulheres que pertencem ao mesmo ambiente. Aprendem com rapidez e na Pastoral encontram uma família e têm como ponto de referência Deus.

–Portanto, nas comunidade pobres existe uma forte orientação religiosa?

–Zilda Arns Neumann: Muitas de nossas voluntárias não praticam nenhuma religião. Mas os princípios que lhes ensinamos são profundamente cristãos, como a solidariedade e a justiça social.

–Qual foi seu maior êxito nesses 17 anos?

–Zilda Arns Neumann: A redução de 60% da mortalidade infantil e da desnutrição em 50%, e a diminuição da violência dentro das famílias. Nunca houve este tipo de educação popular na história do Brasil. A percentagem de crianças que vivem na miséria é altíssima.

–Pensa que o governo do Brasil deve se comprometer mais em melhorar a vida dessas crianças?

–Zilda Arns Neumann: Os indicadores demonstram que a assistência à escola está aumentando e também o nível de saúde. Isso prova que o compromisso do governo é efetivo e está aumentando. Mas a Pastoral pensa que, para obter melhores resultados, faz falta uma grande atenção ao tecido social. Por isso, nós, entre outras coisas, tentamos criar redes de solidariedade nas comunidades dos pobres. O objetivo é aumentar a autoestima dos pobres e seu potencial humano. Encontramos às vezes mulheres com 4 ou 5 filhos, analfabetas, que se sentem uma nulidade. Quando a Pastoral as tira da privação, as alfabetiza e lhes dá esperança, elas conseguem começar uma vida nova para si mesmas e para seus filhos.

–Quais são os objetivos nos próximos anos?

–Zilda Arns Neumann: Estamos concentrando muitos recursos para instruir a população sobre estes temas: nutrição, saúde, cidadania e educação para a paz. Temos organizado debates sobre estes problemas em todas as comunidades, de modo que cada pessoa que seguimos encontre um caminho de paz para a própria família. A Pastoral é consciente de que os problemas das pessoas nascem em um contexto hostil. Onde há analfabetismo, pobreza, falta de oportunidades, é mais provável que haja delinquência e tráfico de drogas. Por isso, a Pastoral centra-se nas crianças menores de seis anos e nas mães gestantes, para que se libertem deste contexto hostil e tanto a criança nascida como a por nascer possam desenvolver o máximo de suas capacidades.

Temos 100 espaços comunitários, nos quais as crianças permanecem algumas horas, acompanhadas pelos pais, para que seus familiares aprendam o valor do desenvolvimento infantil. Deste modo, também as mães se socializam e melhoram sua saúde mental. Nos próximos anos, serão criados outros 200 destes espaços, todos em áreas de extrema pobreza.

–Em todo este trabalho social, como se insere a educação para a paz?

–Zilda Arns Neumann: A campanha “A paz começa em casa” foi lançada em 1999 e se dirige a prevenir a violência contra as crianças no ambiente doméstico. Ensinamos as famílias, por meio de encontros mensais, a assumir posturas que ajudam a melhorar as relações familiares e a construir uma cultura da paz. Em toda esta pedagogia, está presente a mensagem cristã da corresponsabilidade. Não esperar apenas a ajuda dos demais, mas ver o que podemos fazer nós mesmos.

1 comentário:

Nuno disse...

A fundadora da Pastoral da Criança, a médica Zilda Arns, 75 anos, morreu no terremoto que atingiu o Haiti nesta terça-feira.

De acordo com informações do governo, Dra. Zilda caminhava pelas ruas de Porto Príncipe, ao lado de dois soldados, no momento do terremoto. Ela se encontrava no Haiti para uma missão da Pastoral da Criança.

Médica pediatra e sanitarista, Zilda Arns é mãe de cinco filhos e viúva desde 1978, dedicou a vida a causas humanas e solidárias.

Fundou a Pastoral da Criança em 1983, organismo de ação social ligado à CNBB, que tem como objetivo o desenvolvimento integral das crianças pobres e que promove, em função delas, também suas famílias e comunidades.

A Pastoral da Criança actua no Brasil por meio de 261 mil voluntários, que acompanham mais de 1,8 milhão de crianças e 95 mil gestantes, em mais de 42 mil comunidades de 4.066 municípios brasileiros.

“Que nosso Deus, em sua misericórdia, acolha no céu aqueles que na terra lutaram pelas crianças e os desamparados. Não é hora de perder a esperança”, afirma o arcebispo emérito de São Paulo.

Em seu último discurso, que seria proferido ontem em Porto Príncipe, durante a Conferência dos Religiosos do Haiti, Zilda Arns afirmaria que a razão de estar ali era o “forte chamado a difundir no mundo a boa notícia de Jesus”.

“A boa notícia, transformada em acções concretas, é luz e esperança na conquista da Paz nas famílias e nas nações. A construção da Paz começa no coração das pessoas e tem seu fundamento no Amor, que tem suas raízes na gestação e na primeira infância, e se transforma em Fraternidade e corresponsabilidade social.”

“Como discípulos e missionários, convidados a evangelizar, sabemos que a força propulsora da transformação social está na prática do maior de todos os mandamentos da Lei de Deus: o Amor, expressado na solidariedade fraterna, capaz de mover montanhas”, escreveu Zilda Arns.

(por Alexandre Ribeiro)