quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Imprensa livre, pobreza e crise financeira

[Professor Samuel Gregg, diretor do Action Institute, concedeu entrevista à ZENIT, na qual foram abordados os temas que serão discutidos na conferência promovida pela organização, cujo tema será “Imprensa livre, pobreza e crise financeira”, que ocorrerá em 3 de Dezembro, em Roma.]

–Num mundo que vive na abundância, a existência de extensas regiões mergulhadas na miséria representa uma infâmia, especialmente para os católicos. No entanto, o tema da pobreza segue amplamente discutido. No que esta conferência poderá contribuir para estas discussões?

–Ocorre sem dúvida um debate intenso, mas infelizmente grande parte do que é dito não aborda o assunto com a profundidade necessária. Por exemplo, se diz há décadas que o apoio ao desenvolvimento e aos diferentes meios de redistribuição de renda representam a solução para o problema da pobreza. E, no entanto, os dados demonstram claramente que isso não é verdade, e que tais intervenções não são capazes de produzir as mudanças sistêmicas necessárias. Ao contrário, frequentemente elas agravam os problemas a que se propõem resolver. Outra dificuldade é que boa parte das teorias sobre o desenvolvimento econômico estão fundamentadas em princípios ideológicos materialistas e em antropologias deformadas. Sabemos que a questão da redução da pobreza é apenas em parte uma questão econômica ou material; as dimensões morais, espirituais, jurídicas, culturais e institucionais também precisam ser contempladas.

O que é paradoxal é que já se conhecem os segredos sobre como reduzir de fato a pobreza. Um dos mais importantes é que não é possível reduzir a pobreza sem produzir riqueza, e a produção de riqueza ocorre em alguns contextos culturais e não em outros.

Nesta conferência, tentaremos abrir novas perspectivas sobre a questão da redução da pobreza, para que possamos ir além dos clichês vistos em tantas campanhas assistenciais promovidas por celebridades e dar espaço a uma discussão autêntica, no seio da Igreja, sobre quais medidas devem realmente ser tomadas, para que milhões de pessoas possam superar condições materiais pavorosas.

Empresários, comerciantes e empreendedores têm um papel fundamental – mais do que isso, indispensável – oferecendo mais do que sua generosidade, seu conhecimento daquilo que fazem melhor – gerar riqueza, orientando outros para que compreendam as condições econômicas favoráveis à geração de riqueza que possibilitarão padrões de vida mais elevados à todos.

Esta conferência será a primeira de uma série de sete que o Action Institute promoverá no mundo todo ao longo dos próximos dois anos, com o objetivo de promover uma discussão mais efetiva sobre a redução da pobreza, e de contribuir com idéias consistentes com a visão do Homem defendida pela Igreja. Não é por acaso que a série de conferências é intitulada de “Pobreza, Empreendedorismo e Desenvolvimento Integral”. Como lembrou o Papa Bento XVI, em sua Caritas in Veritate, qualquer desenvolvimento verdadeiramente humano deve levar em consideração todos os aspectos do Homem, e não apenas sua dimensão material.

–O título da primeira conferência faz menção direta à crise financeira. De que modo a crise recente afetou a visão do problema da pobreza?

–De certa forma, provocou alguma confusão, porque o colapso do sistema financeiro não alterou os fatos essenciais relativos às causas ou às soluções de longo prazo para o problema. Por outro lado, em termos concretos, a crise tornou ainda mais difícil o caminho rumo à prosperidade econômica para os países em desenvolvimento. Primeiramente, provocou, nos países desenvolvidos, uma forte redução do montante de capital privado destinado a investimentos externos. A crise levou, como é compreensível, a uma inversão de prioridades, induzindo a um fechamento por parte das nações mais desenvolvidas, uma “insularidade”. Mas eu iria além, e diria que a crise aumentou a propensão destes países a adotarem políticas econômicas direcionadas a danificar, no longo prazo, as economias em desenvolvimento. Um exemplo claro é a recente onda de protecionismo, que impede países em desenvolvimento de ganhar terreno em alguns mercados globais.

–Qual é, a seu ver, a contribuição específica que os católicos podem dar ao debate sobre a redução da pobreza?

–Primeiramente, a universalidade da Igreja Católica e sua presença em todos os países do mundo possibilita unir pessoas de diferentes condições sociais, experiências de vida, nacionalidades. Ao mesmo tempo, possibilita debater um tema complexo como o da pobreza partindo de uma visão compartilhada da condição humana.

Em segundo lugar, os católicos possuem uma capacidade de compreender alguns elementos-chave para a redução da pobreza que é, frequentemente, mais rica que as idéias articuladas, por exemplo, por ateus convictos. Um verdadeiro materialista tem dificuldades em conceber, por exemplo, comércio e empresas em termos não puramente utilitários. O utilitarismos – em qualquer de suas manifestações – mostra ser, na essência, uma filosofia incoerente. De sua parte, a Igreja, confrontando as mesmas questões, é capaz de perceber que os agentes motores da produção de riqueza – como o comércio e as empresas – não podem funcionar sem que estejam comprometidos com certas virtudes.

–A seu ver, quais são os principais obstáculos à redução da pobreza, e o que os católicos podem fazer a respeito?

–Embora meu trabalho se concentre principalmente no campo da política econômica, acredito que os principais obstáculos ao combate da pobreza não são de natureza econômica. Na base dos sistemas econômicos distorcidos reside uma visão distorcida da pessoa humana. Se acreditássemos que as mudanças necessárias estão restritas às estruturas econômicas, não estaríamos muito distantes do que sustentava Karl Marx sobre o desenvolvimento da sociedade – e Marx acabou por se mostrar enganado sobre quase tudo. Certamente existem fortes impedimentos de caráter econômico, entre os quais citaria as políticas protecionistas, estruturas de planificação da economia, cargas tributárias sufocantes, além da falta de incentivos ao empreendedorismo e à competitividade. Os efeitos destas políticas, no entanto, são largamente amplificados pela corrupção, pela falta de princípios legais claros, pela arrogância de achar que a economia pode ser tratada como um jogo; isso para não mencionar aqueles políticos interessados na manutenção do status quo.

Se tudo isso for verdade, então a maior contribuição que o católico pode dar a esses debates é a de chamar atenção para as raízes não econômicas da pobreza. Uma forma de fazer isso na prática é analisar toda proposta de combate à pobreza com base no que sua fé e sua razão dizem a respeito do Homem: que é um ser individual, social, pecador, inteligente e criativo – e então julgar se a proposta é compatível com esta visão integral do Homem.

–Quais são as expectativas em relação a esta conferência e para as demais que se seguirão?

–A curto prazo, espero que as conferências possam abrir novos horizontes aos católicos, especialmente para aqueles que ocupam funções de responsabilidade, mas também para os leigos que se julguem capazes de influenciar os debates sobre a pobreza no âmbito das instituições econômicas, nas universidades, na mídia, na política. Esse tema permaneceu por tempo demais restrito aos círculos dos “profissionais da pobreza”.

A longo prazo, nossa intenção é contribuir para uma re-orientação mais ampla dos debates, visando uma superação de esquemas estéreis e previsíveis em direção às escolhas, difíceis mas necessárias se pretende de fato reduzir a pobreza de modo duradouro. Essas escolhas difíceis podem envolver, por exemplo, questionar energicamente as políticas protecionistas adotadas pelos países desenvolvidos e que provocam grandes danos às economias dos países em desenvolvimento. Outro exemplo seria o reconhecimento, por parte dos países em desenvolvimento, de que seu destino está em suas mãos, e que não podem culpar para sempre os países desenvolvidos por seus problemas.

Cristo nos lembra que os pobres sempre estarão entre nós. Mas a triste experiência nos ensina que as ideologias utópicas levam sempre a um beco sem saída. Nenhuma destas verdades dispensa o católico de uma clara reflexão sobre como reduzir a pobreza e sobre quais ações empreender para tornar a vida humana mais humana para todos.

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