(O texto é de Francisco José Viegas, uma mente independente).
"O presidente da República não foi eleito para beneficiar qualquer partido durante as suas campanhas e não acredito que Cavaco tenha ajudado Manuela Ferreira Leite de nenhum modo. Foi eleito para defender essencialmente duas coisas: a Constituição e a Liberdade. Foi para isso que votei nele. O «episódio das escutas» não está esclarecido, é certo, mas convém prestar atenção ao que o Presidente disse e não ao que os partidos (PSD incluído) disseram sobre a sua comunicação – negando «qualquer referência a escutas ou a algo com significado semelhante». Está lá. Mal o Presidente terminou a sua comunicação, todos os partidos, sem excepção, mencionaram as escutas. Isto é falar alhos e responderem com bugalhos. São duas coisas diferentes.
"O PSD ficou ressentido – é normal, uma vez que precisa de continuar a arranjar um bode expiatório para a anormal incompetência que demonstrou durante a campanha eleitoral que conduziu o partido a uma derrota merecida e justa. O PS respondeu com uma longa enumeração de episódios que não têm a ver com a comunicação do Presidente (e sim, creio, com um texto publicado num jornal), nem com a acusação que o Presidente deixou ao PS: a de ter havido dirigentes do partido que mencionavam a colaboração de assessores do Presidente na elaboração do programa do PSD, e «exigiam explicações». Essa era, aliás, a consequência natural dos anteriores ataques ao PR, vindos de sectores do PS depois da questão «do estatuto dos Açores» e de outros vetos «menos populares», em que Carlos César se distinguiu especialmente. O Presidente era um incómodo e seria útil não só relativizar o seu poder mas, também, diminuí-lo aos olhos do eleitorado como um actor secundário, manobrando nos bastidores de um partido, à semelhança, aliás, do que fizeram Eanes, Soares e Sampaio.
"Nem Soares nem Sampaio foram assim atacados por um partido ou com a cobertura do primeiro-ministro desse partido. Cavaco não estava ali para assinar de cruz; estava ali para ser a garantia da Constituição e da Liberdade. O que estava em causa, nesses ataques, era então e é hoje, pura e simplesmente, a luta pelo poder, que vai além das eleições legislativas e que se estende pela próxima legislatura. Nesse sentido, não passa despercebido a ninguém que um Presidente enfraquecido seria óptimo para lidar com um governo minoritário; enfraquecê-lo, então, seria a primeira das tarefas.
"Segundo ponto: o que o Presidente devia ou não dizer. Todos parecem de acordo (do PSD ao BE, ou justificando a derrota de uma estratégia eleitoral, ou preparando o caminho para Manuel Alegre) com aquilo que o Presidente devia dizer. Acontece que o Presidente não está ali para dizer o que os partidos entendem que o Presidente deve dizer, mas para dizer o que ele quer dizer. Em nome daquilo para que foi eleito.
"Terceiro: o Presidente tinha de prestar esclarecimentos agora, uma vez que – erradamente – não o fez antes das eleições. Para quem esperava denúncias espalhafatosas, uma pena; para quem esperava um thriller alimentado por divulgações de mails, uma pena. O fenómeno do jornalismo interpretativo, recheado de fontes anónimas, fontes denunciadas ou fontes inexistentes, adoraria prolongar o número; mas não há mais nada. Há uma questão ainda: se o Presidente é acusado (e não há dúvida nenhuma de que foi), é natural que se defenda. À direita, isto soa mal porque, condicionada pelo próprio debate inaugurado à esquerda, se entende que isto é pura intriga. Não é. É política, é divergência e é natural. E é natural que o Presidente reagisse. E é bom que a sua reacção tivesse sido antes da formação de um novo governo.
"Quarto: o afrontamento com o Presidente é uma das etapas desta legislatura. O facto de o Presidente não ter assinado de cruz tudo o que tanto o PS como o jornalismo interpretativo achavam ser óbvio e maravilhoso, faz dele uma garantia dos cidadãos e não um comparsa para a luta pelo poder."
FJV
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