"Não gosto deste homem. Devo dizer que gosto muito de mulheres e sempre apreciei homens. Embora às vezes me engane sobre os homens de quem as mulheres gostam. E sobretudo me engane sempre sobre o tipo de homens apreciado pelas mulheres de quem eu gosto. Aos 15 anos vi uma mulher que muito admirava nos braços de um belga. Ele perguntou-me as horas, sem despegar dos lábios dela, e eu arrumei-lhe com uma citação de um escritor francês da moda. Ela interrompeu um pouco a colação para me dizer, cúmplice e meia chateada: - Não te esforces que este não dá mais do que isto.
Isto eram os teus lábios, Manuela. Os teus lábios que eu não ousava sequer desejar porque estavas a verde no Quadro de Honra.
"Este assombro perante as escolhas das mulheres marcou o Verão dos meus 15 anos e a minha vida em geral. Se elogio um homem, as minhas amigas concordam com reserva. Mas excitam-se sempre com aqueles tipos que trazem um letreiro a dizer perigo, pendurado nas patilhas desenhadas.
"Desde cedo percebi que o comum das pessoas achava estranho, ou suspeito, que eu apreciasse homens. Para mim sempre foi natural como ter opiniões estéticas ou políticas. No código viril dos meus amigos, como nas normas de cortesia das famílias, gostos não se discutem. Sempre apreciei uma boa discussão.
"Gosto de homens como o Nicholas Cage de Wild at Heart, ou do William Hurt do Turista Acidental, ou do Joaquin Phenix de Dois Amores, ou do Brendan Gleeson de In Bruges, ou do António Franco Alexandre quando escreveu Moradas 1 e 2 e Oásis, ou do Manfred Eicher quando lançou as ECM New Séries, ou o Amis, o Kingsley em 1962, ou o James Stewart na Janela Indiscreta. Gosto do Jerónimo de Sousa, que tem uma cabeça como deve ser, no carro, a despedir-se do neto:
- Vai para dentro, não apanhes sol
e a dizer um verso de Neruda.
"Não gosto deste tipo. Tem as calças justas em baixo e está bem calçado, os fatos são de bom corte. Mas é traído pelo nariz, pelo brilho cúpido dos olhos, pelo modo com junta as mãos e alisa o philtrum com os indicadores. Há uma boa maneira de conhecer uma pessoa. É quando está cansada e perdeu as defesas. Num destes dias ele deixou-se filmar na correnteza do Tejo, com uma Filomena ao largo a fazer-lhe perguntas profundas do tipo: - Já chorou?, quando chorou?, gosta de puésia? Ele estava lento, de meia guarda, absolutamente desinteressado dos presuntos encantos da Filomena. De repente teve um sinal de vida. Era um pescador que puxava um peixe. Mas logo caiu na modorra anterior. Não interessa se de poetas só lhe veio Camões, Pessoa e Cesário e não foi capaz de se lembrar de um filme sequer. Ali estava um homem absolutamente desinteressante."
António Franco Alexandre
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