sexta-feira, 6 de março de 2009

Artigo de Pedro Abrunhosa (afinal, quem dá música a quem?!)

MAXMEN | Edição Fev 09

Sócrates e o meu Avô.

1. José Sócrates cumpre bem o papel que os portugueses gostam de projectar nos seus líderes: pragmático, duro e honesto. Ou, em linguagem real: teimoso, surdo e forreta. Ao longo do último século foram inúmeros os líderes que levaram o país a acreditar nas suas oratórias messiânicas e austeras. De Salazar a Cavaco, desaguando agora em Sócrates, o mais importante é mesmo manter um ar sério e compenetrado, ainda que se esteja a pronunciar a pior das mentiras. Desde que a imagem do suposto rigor passe, pouco importam críticas de oposição, jornalistas incómodos ou que a realidade se encarregue de desmentir a teoria. Ainda que, obviamente, a comparação com os dois primeiros seja bastante dura para com o actual primeiro-ministro, a verdade é que, ao longo deste último ano, se agravaram os sintomas de autismo e afastamento em relação à real situação social, económica e financeira do país, como o foi na vigência dos governos dos ditos. Em relação aos professores, esta teimosia, disfarçada de firmeza, tem pura e simplesmente servido os interesses duma potencial futura privatização de todo o sistema de ensino em Portugal. A instabilidade nas escolas, onde o corpo docente e conselhos directivos batalham incessantemente há anos por uma dignificação do aluno, leva a que a opinião pública passe a considerar como porto seguro as escolas privadas, fugindo em massa para este sector e deixando ao abandono aquela que deveria ser a principal área de actuação de qualquer governo desde a implantação da república. Um sistema de ensino público forte, coeso e estável, assim como um sistema de saúde e de justiça, é o pilar de uma sociedade justa e livre, onde a igualdade de oportunidades não seja uma expressão vã. A contínua hostilização aos professores feita por este, e outros governos, vai acabar por levar cada vez mais pais a recorrer ao privado, mais caro e nem sempre tão bem equipado, mas com uma estabilidade garantida ao nível da conflitualidade laboral. O problema é que esta tendência neo-liberal escamoteada da privatização do bem público, leva a uma abdicação por parte do estado do seu papel moderador entre, precisamente, essa conflitualidade laboral latente, transversal à actividade humana, a desmotivação de uma classe fundamental na construção de princípios e valores, e a formação pura e dura, desafectada de interesses particulares, de gerações articuladas no equilíbrio entre o saber e o ter. O trabalho dos professores, desde há muito, vem sendo desacreditado pelas sucessivas tutelas, numa incompreensível espiral de má gestão que levará um dia a que os docentes sejam apenas administradores de horários e reprodutores de programas impostos cegamente. Não sou um saudosista, como bem se pode notar pelo que escrevo aqui regularmente, mas nem toda a mudança é sinónimo de evolução. Pelo contrário, o nosso direito poucas alterações sofreu em relação ao direito romano, e este do grego, sem que com isso se tenha perdido a noção de bem e mal, ainda que relativa de acordo com preceitos culturais e históricos. E, muito menos, a credibilização dos agentes de justiça, mormente magistrados, sofreu alterações significativas ao logo dos tempos, embora aqui também comecem a surgir sintomas de imenso desconforto, para já invisível ao grande público.

2. O que eu gostaria de dizer é que o meu avô, pai do meu pai, era um modesto, mas, segundo rezam as estórias que cruzam gerações, muito bom professor e, sobretudo, um ser humano dotado de rara paciência e bonomia. Leccionava na província, nos anos 30 e 40, tarefa que não deveria ser fácil à altura: Salazar nunca considerou a educação uma prioridade e, muito menos, uma mais-valia, fora dos eixo Estoril-Lisboa, pelo que, para pessoas como o meu avô, dar aulas deveria ser algo entre o místico e o militante. Pois nessa altura, em que os poucos alunos caminhavam uma, duas horas, descalços, chovesse ou nevasse, para assistir às aulas na vila mais próxima, em que o material escolar era uma lousa e uma pedaço de giz eternamente gasto, o meu avô retirava-se com toda a turma para o monte onde, entre o tojo e rosmaninho, lhes ensinava a posição dos astros, o movimento da terra, a forma variada das folhas, flores e árvores, a sagacidade da raposa ou a rapidez do lagarto. Tudo isto entrecortado por Camões, Eça e Aquilino. Hoje, chamaríamos a isto ‘aula de campo’. E se as houvesse ainda, não sei a que alínea na avaliação docente corresponderia esta inusitada actividade. O meu avô nunca foi avaliado como deveria. Senão deveria pertencer ao escalão 18 da função pública, o máximo, claro, como aquele senhor Armando Vara que se reformou da CGD e não consta que tivesse tido anos de ‘trabalho de campo’. E o problema é que esta falta de seriedade do estado-novo no reconhecimento daqueles que sustentaram Portugal, é uma história que se repete interminavelmente até que alguém ponha cobro nas urnas a tais abusos de autoridade. Perante José Sócrates somos todos um número: as polícias as multas que passam, os magistrados os processos que aviam, os professores as notas que dão e os alunos que passam. Os critérios de qualidade foram ultrapassados pelas estatísticas que interessa exibir em missas onde o primeiro-ministro debita e o poviléu absorve. O pior disto tudo é que não se vislumbra alternativa no horizonte. Manuela Ferreira Leite é uma múmia sem ideias, Portas uma anedota, PCP e Bloco, monolitos chatos e nem um rasgo de génio, de sonho, que faça sorrir os portugueses e os faça entender que eles são a verdadeira ‘política’, essa causa nobre que mistura lagartos com défice externo. Porque não há maneira melhor de explicar que a vida de cada um pode melhor quanto melhor ser humano, menos autista, surdo e teimoso for aquele que insiste em nos governar. O meu avô era assim, mas morreu faz muito tempo. E gostava de mais da liberdade para querer mandar. Disso tenho a certeza.

Pedro Abrunhosa

Se ele o diz, quem sou eu para contestar... :)

Ahh, grande 'cantautor-pensador'!!

3 comentários:

Ramiro Brito disse...

Gostei...um espectáculo digo eu! Sê bem vindo ao blog Hugo...espero ver te por cá muitas vezes

Ramiro Brito disse...

Gostei...um espectáculo digo eu! Sê bem vindo ao blog Hugo...espero ver te por cá muitas vezes

Anónimo disse...

mais um idiota, a viver às custas do estado, este abrunhosa