quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Todas estas crianças no deserto

Agradecemos ao P. Luís Ferreira do Amaral, sj a cedência desta entrevista anteriormente publicada no seu blogue.
Nova Missão do JRS para Refugiados da Somália


Publico hoje uma entrevista ao Pe. Frido Pflueger SJ, Director do JRS para a África Oriental. O Pe. Frido acabou de regressar de uma visita aos campos de refugiados de Dollo Ado, no sudeste da Etiópia. A entrevista foi concedida ao gabinete de comunicação do JRS no dia 16 de Agosto de 2011, em Nairobi (original em inglês).



Pe. Frido, acabou de regressar de uma visita de quatro dias aos campos de refugiados de Dollo Ado. Pode-nos descrever um pouco a situação?

É uma situação difícil. Existem neste momento quatro campos na região de Dollo Ado que foram construídos sucessivamente. Os primeiros dois campos, Bokolmayo e Melkadida, foram construídos em 2009 e 2010 respectivamente, por isso estão um pouco mais desenvolvidos. Cada um destes dois campos alberga cerca de 40.000 refugiados. O terceiro campo, Kobe, foi construído há poucos meses e o quarto, Helawen, acabou de abrir no dia 4 de Agosto. Estima-se que cerca de 7.000 refugiados estejam neste momento a viver nesse campo.

A zona onde os campos se encontram é completamente seca e com aspecto de um deserto. Felizmente o rio Genale tem suficiente água a correr, que é tratada e transportada em camiões para os quatro campos.

Quando visitámos o centro de trânsito, na passada terça-feira, este contava ainda com mais de 12.000 refugiados. Estes refugiados têm estado acampados nesse centro ao longo de várias semanas e estão agora a ser transferidos para Helawen. O centro de trânsito irá em breve ficar vazio, pois o número de refugiados que chega em cada dia tem baixado consideravelmente: de cerca de 1.700 em Junho para 100-140 em Agosto.

Disseram-nos que os somalis enviam os anciãos para avaliar a situação no Quénia e na Etiópia e que estes chegaram à conclusão que a situação nos campos do Quénia seria melhor do que nos da Etiópia. Por isso terão aconselhado as pessoas a irem para Dadaab [no nordeste do Quénia], o que causa um grande problema para Dadaab.

Existem neste momento quase 120.000 refugiados na área de Dollo Ado. Aquilo que mais me impressionou, e que é mesmo triste e perturbador, é o enorme número de crianças em cada campo. Mais de 80% da população dos refugiados são crianças, com menos de 18 anos.

Há crianças por todo o lado! E que não têm nada para fazer. A impressão que tive é que a situação pior é em Helawen. Por o campo ter sido aberto apenas na passada sexta-feira, não existe qualquer tipo de infra-estruturas. Existem tendas alinhadas e um grande número de crianças em cada tenda. É uma zona rochosa, com alguns arbustos de espinhos, não existe sombra e não existem espaços onde elas possam brincar. É tão triste ver uma situação como estas.

E aquilo que eu achei mais espantoso foi que quando as saudamos, elas sorriem amigavelmente, e olham para nós com os olhos muito abertos. Muitas delas precisam de tratamento especial, pois estão malnutridas. Algumas ONGs estão já a trabalhar bastante para poder alimentar estas crianças, em particular as mais gravemente malnutridas. É uma situação incrível, muito difícil de descrever.

O JRS tem de actuar muito depressa, porque a nossa obrigação é de ajudar os mais pobres de entre os pobres. E foi esses que eu encontrei nestes campos.


Depois de ter testemunhado a situação no terreno, tem uma ideia mais concreta de qual poderá ser o trabalho do JRS?

Uma vez que nestes campos existe um número tão elevado de crianças com menos de 18 anos, penso que o melhor modo de criar um ambiente útil para elas é construindo escolas. Quando as crianças estão na escola, têm já algo para fazer que faz sentido para as suas vidas, e estão seguras. Também lhes dá uma perspectiva para o seu futuro.

A minha impressão é que os somalis irão ficar por estes campos durante um longo tempo, se a situação na Somália não mudar. E provavelmente não irá melhorar nos próximos tempos. Por isso faz sentido que nós procuremos proporcionar-lhes possibilidade de educação.

Uma vez que a educação primária é gerida pela ARRA [a administração do governo da Etiópia para assuntos relativos a refugiados e retornados], o JRS deverá proporcionar educação secundária num dos campos mais antigos – em Bokolmayo ou em Melkadida – onde o número das crianças é também muito grande. E deveríamos começar logo que possível.

Tirando Dollo Ado, não existem escolas de ensino secundário nas proximidades dos campos. Bokolmayo e Melkadida estão a cerca de 100 e 65 km de distância de Dollo Ado, respectivamente.

Para poder ajudar a juventude, deveríamos também começar a proporcionar outro tipo de actividades na área do apoio psico-social, tal como actividades de desporto, teatro, drama, para que, ao longo do dia, elas possam ter algo de significativo para fazer.

E depois devíamos montar um sistema de counselling, por forma a treinar os refugiados como acompanhantes, cujo alcance se estenderá progressivamente pelas diferentes comunidades no campo. Com toda a violência que estas pessoas experienciaram, é muito importante que elas possam ter este tipo de apoio.

A ARRA tem já a funcionar uma escola primária para os cinco primeiros anos, com mais de 1600 estudantes, no campo de Bokolmayo. Cerca de 50 estudantes que terminaram o quinto ano estão a frequentar a escola primária local, do sexto ao oitavo ano. Mas depois disso não existe qualquer perspectiva.

Se o JRS montasse uma escola secundária, aceitaríamos também estudantes da comunidade local, o que é sempre uma grande vantagem pois ajuda a melhorar as relações entre refugiados e a comunidade local. E dá a possibilidade a ambos os lados de se conhecerem mutuamente.

Refugiados e estudantes nativos poderão então falar uns com os outros; os refugiados usam diferentes dialectos da língua somali mas, de qualquer dos modos, a educação secundária será em inglês.

Iremos também considerar a possibilidade de construir residências para estudantes do campo de Melkadida, que fica a cerca de 30 km de distância. A escola primária está ainda em construção, mas disseram-nos que há estudantes no campo que já terminaram a sua educação primária na Somália. Logo que tenhamos uma avaliação em maior profundidade da situação, saberemos mais.

Eventualmente poderemos também ajudar a ARRA a construir mais escolas primárias nos outros dois campos, Kobe e Helawen, porque existe um grande número de crianças e não há nenhuma escola.


Quais são os próximos passos que o JRS irá dar para começar a trabalhar lá e qual o calendário em que está a pensar?

Nas próximas duas semanas temos de enviar uma equipa que irá fazer uma avaliação mais profunda da situação e começar a preparar alguns dos edifícios e algumas actividades.

Precisamos de recrutar uma boa equipa,porque o ambiente é muito duro de se viver, já que praticamente não existe qualquer tipo de infra-estruturas ou instalações montadas. A equipa terá de dormir em tendas e irá viver em condições muito simples.

O passo seguinte seria começar a construção da escola secundária e, talvez ao mesmo tempo, um recinto para os escritórios do JRS, sempre na condição de que disponhamos de fundos suficientes. O mais importante, no entanto, é o edifício da escola secundária, pois este poderá ter várias utilizações.

Uma vez que estejamos presentes e tenhamos uma instituição no terreno, será mais fácil de responder a outras necessidades das quais podemos nem estar conscientes agora.

O ano académico na Etiópia começa em Setembro, o que poderá colocar algumas dificuldades porque não será possível começar as nossas actividades em Setembro. Mas estou convencido de que poderemos encontrar uma solução, tal como começar com aulas preparatórias de inglês, actividades sociais, ou um primeiro ano escolar mais compacto.


Quando pensa nestes últimos quatro dias, há algo que queira partilhar connosco que o tenha tocado particularmente?

Foi uma das piores coisas que vi na minha vida: todas estas crianças no deserto, no calor e no meio da poeira, nas rochas, por entre arbustos de espinhos, a espreitar para fora das tendas, a sorrir para nós, sem terem nada para fazer. Os campos são como pequenas cidades, pequenas cidades cheias de crianças.

Existe comida e alguma água, mas não há muito mais. Há muito vento naquela região e, quando o vento é forte, levanta-se a areia e não se consegue ver mais do que 10 metros adiante. E estas pessoas vivem neste lugar.

Há poucos homens nos campos, a maior parte das famílias apenas têm mães . Os homens ou estão mortos ou desaparecidos, ou então ficaram na Somália a tomar conta do gado, ou foram recrutados pela al-Shabaab, ou não os deixaram sair o País.

Às mulheres e às crianças foi-lhes permitido deixar o País. Mas é muito duro ver todos estes milhares e milhares de crianças sem nada para fazer.

Por isso temos de começar a fazer alguma coisa. É a nossa obrigação moral. Não podemos ignorar esta situação. E penso que o plano que temos agora é já um bom ponto de partida.


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Se quiser pode fazer uma doação ou consultar o website do JRS
para ver fotografias ou mais informação.

O JRS agradece todo o apoio que tem já sido dado.

http://www.essejota.net

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