"José Sócrates chamou-lhe "o governo da Assembleia": a ideia de que a oposição vai condicionar cada vez mais intensamente a acção governativa está a preocupar os socialistas. Nos bastidores do PS, começa a falar-se de novo em eleições antecipadas. Se os ventos políticos forem favoráveis, o PS poderá, lá mais para a Primavera, apresentar uma moção de confiança no Parlamento, abrindo a hipótese da convocação de eleições antecipadas - com a tentação onírica de que os eleitores devolvam aos socialistas a maioria absoluta. "Esta situação dura até nós esticarmos a corda", diz ao i um dirigente socialista, convencido de que o povo entenderá a legitimidade do governo para reagir assim àquilo que no PS se chama "o boicote da oposição".
"A ideia de que o PS perdeu terreno político? Muito para lá da questão Face Oculta que está a atormentar o primeiro-ministro - é partilhada por vários socialistas. O novo governo e o grupo parlamentar têm estado a promover reuniões de análise estratégica, à procura de fórmulas para retomar a iniciativa política, ou "sair do limbo", na expressão de um outro socialista.
"Agora, a derrota estrondosa que o governo sofreu na sexta-feira passada levou José Sócrates a subir o tom da dramatização, acusando a oposição de "deslealdade". "Acho absolutamente desleal que os partidos queiram discutir despesas sem o quadro geral do Orçamento do Estado (...). Não se pode aceitar a ideia de que o Parlamento aumenta a despesa, cria um problema orçamental, e depois o governo a única coisa que tem que fazer é executar. A isso chama-se um governo da Assembleia. Espero que isso não aconteça", avisou o primeiro-ministro.
"Apesar da negociação levada a bom termo com o PSD - que evitou que o parlamento aprovasse a suspensão da avaliação dos professores -, o risco do PS ficar paralisado perante a avalanche das "coligações negativas" dos partidos da oposição é um risco cada vez mais temido no PS. E aumentam as vozes que defendem que o PS e o governo têm que "delimitar as barreiras" que não vão deixar que sejam ultrapassadas.
"Se continuar a somar derrota sobre derrota no parlamento, o PS tudo fará, "na primeira oportunidade", para provocar eleições antecipadas. O primeiro-ministro José Sócrates considera intolerável que, em determinadas matérias, quem esteja efectivamente a governar sejam os outros partidos.
"Isto sabia-se desde o primeiro dia. Foi logo a 27 de Setembro, quando os socialistas venceram as eleições legislativas sem maioria absoluta, que José Sócrates iniciou a "dramatização". Uma semana depois, o primeiro-ministro reunia com os partidos parlamentares, propondo a todos que se iniciassem conversas com vista à formação de coligações governativas ou ao estabelecimento de acordos parlamentares. Sócrates tentou mostrar até ao limite que tudo faria para obter "condições de governabilidade" para, no caso de ter a vida dificultada no parlamento, poder esgrimir com verosimilhança este argumento: "Não nos deixam governar".
"A incógnita face oculta. A única variável que pode prejudicar as ambições do PS em forçar eleições antecipadas logo que seja possível a dissolução da Assembleia da República - o que só pode acontecer, como define a Constituição, seis meses depois da eleição -, é toda a incógnita que rodeia o processo Face Oculta. À constituição de Armando Vara - amigo próximo de Sócrates e por ele nomeado administrador da Caixa Geral de Depósitos - como arguido no processo, seguiu-se a suspeita que os investigadores de Aveiro lançaram sobre a possibilidade de Sócrates ter cometido um ilícito criminal. Tudo isto pode degenerar num desgaste político do primeiro-ministro e de todo o governo, de consequências eleitoralmente imprevisíveis.
"Para discutir o problema da "governabilidade" e recuperar a relação com o partido depois das eleições, a direcção do PS marcou plenários de militantes em quase todos os distritos no próximo fim-de-semana.
"Na sexta-feira, António Serrano, o novo ministro da Agricultura, falará aos militantes da região Oeste, em Torres Vedras; Jorge Lacão estará num plenário em Santarém e Idália Moniz em Leiria na sexta-feira; no sábado, João Tiago Silveira estará na Guarda; no domingo, Augusto Santos Silva ouvirá os militantes de Viseu e Idália Moniz os de Castelo Branco.
"Na apresentação do programa do governo, Sócrates afirmou que tem "uma linha de orientação bem definida para a governação" e está "decidido a cumprir o programa que o eleitorado sufragou". E ainda que "o Governo sabe bem quais são as suas competências, tal como conhece e respeita as competências dos outros órgãos de soberania".
"Mas a verdade é que, apesar do PS estar a estudar como a "reserva de competência" do governo pode ser invocada para impedir "coligações negativas", a Constituição dá uma enorme margem de manobra ao tal "governo da Assembleia". Por exemplo: "Fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas pela Constituição ao governo; conferir ao governo autorizações legislativas; aprovar as leis das grandes opções dos planos e o Orçamento do Estado, sob proposta do governo; autorizar o governo a contrair e a conceder empréstimos". Não é pouca coisa."
Por Ana Sá Lopes,
publicado no "i" a 1 de Dezembro de 2009
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