Em jogos de "o importante é passar, o resto logo se vê" (em língua mais sucinta diz-se play-off), gosto de estudar a táctica. E esta vê-se quando se canta o hino, as câmaras se aproximam e as caras dos jogadores se expõem à análise. Ontem, vi logo que a táctica era a adequada para um campo trabalhado pelo único tractor jugoslavo que, na região de Zenica, ainda funciona depois da guerra civil. A cara do guarda-redes Eduardo, sulcada por alfaias agrícolas, tranquilizou-me - ele jogava em casa. Em desafios destes é conveniente não levar jogadores que frequentem as produções fotográficas. Eduardo, além do visual certo, tem também voz. Não que se ouvisse, era impossível: à volta, era um coro de 20 mil assobios. Nessas circunstâncias, não conta o timbre, as cordas vocais não se exprimem por som mas intumescendo o pescoço (que ainda fica com mais socalcos). Não se ouvia, mas percebíamos todos, sobretudo os segundos mais interessados, os bosníacos, o que Eduardo dizia: "Às armas! Às armas!" Os primeiros mais interessados, os jogadores portugueses, espero que tenham ouvido aqueles arreganhos no vestuário (haja alguém que na selecção fale assim; o professor, duvido). E foi assim que, ainda nem o árbitro apitara, eu já sabia que tínhamos dobrado o cabo da Boa Esperança.
Por Ferreira Fernandes (in DN, 19.11.2009)
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