"O partido do Governo fez uma campanha insuportavelmente optimista, pelo que teve de falaciosa, e só agora se deu conta da dificuldade de dar a volta ao texto. Em menos de um mês, a realidade impôs-se e teve que apresentar o orçamento rectificativo (travestido de "distributivo"), cuja urgência há muito tempo vinha negando por razões meramente eleitoralistas. E os números são demolidores: um pedido de endividamento adicional de 4,9 mil milhões de euros, um défice na casa dos 8% e uma dívida pública galopante que muitos economistas garantem ter já ultrapassado os 80% do PIB. Isto para não se falar dos últimos dados do desemprego - mais de 500 mil portugueses estão sem trabalho e, infelizmente, as perspectivas de o conseguirem no próximo ano são tudo menos animadoras.
"As consequências desta situação que só as vozes de sereias amigas, mas irresponsáveis, ajudaram a mascarar, não vão tardar a reflectir-se, ainda mais, na vida dos cidadãos, das empresas e do Estado, como bem revelam as intenções das agências de rating divulgadas no final da semana passada, que prenunciam o aumento do preço do dinheiro, acarretando a subida dos juros. Aliás, mesmo que esta triste notícia não tivesse acontecido, o crescimento das taxas de juro, na zona euro, era já um dado inexorável face aos sinais de retoma económica. Se até agora, os juros baixos ainda permitiram, a quem tem emprego, dispor de algum rendimento para equilibrar contas e gastos, a alteração dos custos do dinheiro pode inverter esta situação e contribuir para o empobrecimento das famílias endividadas.
"Ora, esta situação põe o Governo de pés e mãos atados. Desgastado pela deterioração da situação económica e pelo processo Face Oculta - de onde se saem muito mal dois dos ministros mais prestigiados, respectivamente, Teixeira dos Santos e Vieira da Silva -, o Executivo tenderá a ter cada vez maiores dificuldades em responsabilizar as oposições pelas vicissitudes da governação, sobretudo quando levar ao Parlamento medidas que visem, de forma mais ou menos clara, o agravamento da carga fiscal. Como ainda agora aconteceu com a imposição do adiamento, por um ano, da entrada em vigor do Código Contributivo, ou o chumbo do Pagamento Especial por Conta. Por muito que alguns governantes barafustem contra a "deslealdade" ou o "populismo" dos partidos da oposição, deve ser muito complicado encontrar, fora do seu círculo, quem venha apoiar leis que aumentem os custos do trabalho ou potenciem as dificuldades das empresas, num momento de grave crise económica.
"Por isso, das duas uma: ou o Governo arranja formas mais imaginativas e mais justas de conseguir receita, de preferência cortando na despesa e pondo a pagar quem efectivamente não paga ou tem carga fiscal reduzida; ou corre o risco de chegar ao fim do próximo ano numa situação de extrema debilidade e sem condições para vir a provocar a sua própria queda no momento oportuno, com vista à reeleição. As oposições, por seu lado, foram desta vez inteligentes nos chumbos legislativos, mas devem ser responsáveis e apresentar alternativas coerentes tendo em vista a superação da crise. Agravá-la, prometendo o céu, está visto, só conduz ao abismo."
Áurea Sampaio,
in Visão, 3.XII.2009
1 comentário:
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