Excertos dum conferência do Cardeal Tarcisio Bertone.
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Caridade, verdade e justiça são as palavras chave para um novo humanismo também no campo económico.
A encíclica Caritas in Veritate, de Bento XVI, foi o ponto de referência do discurso de Bertone. O purpurado fez referências de carácter histórico e alusivas ao magistério da Igreja, quanto aos temas económicos e a actual crise financeira mundial.
A recente encíclica “devolve o homem ao centro de um novo humanismo, cujos valores são a caridade e a verdade”, disse o cardeal Bertone. Os dois conceitos recordados pelo Papa têm sido frequentemente objeto de “suspeita” (verdade) ou de “mal-entendidos” (caridade, sobretudo em sua acepção de ‘amor’).
O Santo Padre, no entanto, assinalou claramente a caridade e a verdade como “duas realidades fundamentais”, que não são “extrínsecas ao homem nem muito menos impostas a ele em nome de uma visão ideológica qualquer”, mas com uma “profunda raiz na própria pessoa”, afirmou Bertone.
No campo económico, os comportamentos humanos, segundo o Papa, não devem inspirar-se num subjectivismo encaminhado para um egoísmo através de um cálculo hedonista, mas pela solidariedade fundada no bem comum”. Isso determina um humanismo “que encontra origem na doutrina do tomismo e na práxis económica no capitalismo mercantil”.
Bertone situou o nascimento deste humanismo econômico entre os séculos XIV e XV, no centro de um “amplo e impetuoso movimento cultural europeu”, em que se “redescobre o homem levando-o novamente ao centro do mundo, quer dizer, ao centro de todos os interesses morais e espirituais”.
Encontramo-nos, nesta época medieval tardia, num momento económico de “impetuoso impulso”, “a maior revolução, após a neolítica e antes da industrial, da qual a Europa foi palco”. Nessa época começa a circular a moeda, os títulos de crédito e o comércio.
Entre os séculos XIV e XV, aconteceu uma revolução em que os “carismas espirituais”, em especial cristãos, tiveram um papel imprescindível.
“A Europa –acrescentou o cardeal– não seria como hoje a conhecemos, inclusive sob o perfil social e económico, sem o movimento beneditino ou o franciscano, a partir dos quais tiveram origem inovações fundamentais também para a que logo se converteria na economia de mercado”.
Após o ano Mil, a proliferação das abadias beneditinas estabeleceu o problema, enfrentado também por São Bernardo de Claraval, dos “vínculos que é oportuno pôr à actuação económica da abadia” e ao “risco de uma acumulação improdutiva de terrenos e riquezas”.
Na Carta Caritatis, de 1098, delineiam-se dois princípios em resposta aos problemas antes enumerados. “Por uma parte –afirmou Bertone– afirma-se que não é lícito ‘construir a própria abundância obtendo-a do empobrecimento alheio’”.
Ademais, a mesma Carta substitui o termo “esmola” por “beneficência”. Segundo o princípio da “beneficência”, “a necessidade de quem pede ajuda deve ser valorizada com inteligência”, quer dizer, há que “compreender as razões pelas quais um pobre é tal”; ademais, “a beneficência não deve incentivar a negligência com o necessitado”.
Não menos influente é a tradição franciscana no nascimento de “instrumentos financeiros típicos de uma moderna economia de mercado: a carta de crédito; a contabilidade de empresa (pense-se no franciscano Luca Pacioli, considerado pai da contabilidade moderna, que em 1494 sistematiza de modo definitivo ‘Método das Partidas Dobradas’); as letras de câmbio; o foro dos mercadores; a bolsa; e sobretudo os Montes de Piedade”.
Após o olhar histórico, o cardeal Bertone actualizou os princípios do humanismo histórico no desejo de um “segundo humanismo” que proporcione uma resposta forte às deformações da economia actual.
Numa época marcada pela “globalização, liberalismo, ‘financeirização’, novas tecnologias, migrações globais, desigualdades sociais, conflitos de identidade, riscos ambientais”, chegou-se a uma grande crise financeira determinada pelo esquecimento da “dimensão ética” das próprias finanças.
Entre os fatores desta mudança, o secretário de Estado vaticano assinalou “a mudança radical na relação entre finanças e produção de bens e serviços” e a “difusão na cultura popular do ‘ethos’ da eficiência como critério último de juízo e justificação da realidade económica”.
A riqueza, portanto, de meios para levar uma “vida boa” converte-se em fim em si mesma. Tudo isso em coerência com a “lógica do capitalismo”, que “por natureza é ilimitada. Dever-se-ia dizer, mais propriamente, interminável. É a lógica da interminabilidade que está na base dos desastres financeiros”, observou Bertone.
Um antídoto a tal desastre económico e ético é “o retorno da moral, que significa, sobretudo, responsabilidade da pessoa, antes dos governos, para com os outros e sua dignidade”.
Portanto, os desequilíbrios provocados pela globalização podem enfrentar-se pelos governos nacionais especialmente “onde se estão demonstrando maiores as distorções do mercado enquanto a marginalizar áreas geográficas periféricas, classes sociais mais frágeis e economias menos competitivas”, acrescentou o cardeal.
Não se deve descuidar, no entanto, da ética da empresa, que, na economia globalizada, “deve-se dirigir cada vez mais à ética e menos ao lucro”. Neste sentido, o cardeal Bertone citou a Caritas in Veritate, que longe de distinguir simplesmente entre lucro e não lucro, descreve “uma nova ampla realidade complexa, que implica o privado e o público, e que não exclui o lucro, mas o considera instrumento para fins humanos e sociais”.
O secretário de Estado vaticano concluiu citando palavras do Papa Paulo VI, que, nos anos 70, desejou uma Igreja do futuro, a qual, “ainda que denunciasse o materialismo de toda espécie, próprio de nosso tempo, não maldissesse a gigantesca e maravilhosa civilização da ciência, a indústria, a técnica, a vida internacionalizada de nossa época”.
Cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado vaticano, na inaguração do ano académico da Universidade Europeia de Roma. ROMA, quinta-feira, 25 de novembro de 2009 (ZENIT.org)
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